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29/03/2016 | Artigos

A lógica por trás do aparente caos

Um dos aspectos assustadores do momento político do país são as fartas demonstrações de desconhecimento de aspectos elementares de história do Brasil por parte da população em geral, especialmente da juventude. Mesmo quando se trata de acontecimentos políticos relativamente recentes. Talvez seja este um dos problemas mais graves e uma das tarefas mais urgentes que tenhamos que enfrentar no Brasil nas próximas décadas. Afinal, povo sem história é povo sem destino relevante, e presa fácil de ambições imperialistas.

 

Como no período que antecedeu 1964, estamos atravessando um momento histórico decisivo. Alguns fatos do momento remetem ao que aconteceu há mais de meio século: reclamação generalizada contra a “incompetência do governo” na gestão da economia; indignação contra a corrupção potencializada pela espetacularização da Operação Lava Jato); negação da política enquanto instrumento de intermediação da relação entre povo e Estado; além disso, manifestantes reivindicam abertamente uma intervenção militar como solução para os problemas do país. Claro que o momento atual guarda diferenças fundamentais com aquele período, a começar do fato de que o golpe de 64 foi articulado desde o seu início pelas Forças Armadas, uma diferença fundamental em relação à situação atual, na qual os militares estão ao lado da legalidade, conforme reiteradas declarações de seu alto comando.

 

O conhecimento da história é fundamental para um povo, evitando que se volte a cometer os mesmos erros do passado. É muito preocupante (ainda que não surpreendente, dada a evolução dos acontecimentos desde 2013), que,  passados 31 anos do fim da ditadura (período mais longo de democracia da história do país) presenciar grupos pregando que seria melhor voltar ao período da ditadura militar, com o argumento de que seria melhor do que viver nessa “bagunça”, onde todos os políticos são corruptos, ladrões, etc. É assustador verificar que importantes setores da classe média e alta, simpatizem com ideias semelhantes às que prepararam o caldeirão social do fascismo. Uma parte da classe média é abertamente antirrepublicana e vem pregando sem o menor pudor, o rancor, o ódio e a ferocidade nas redes sociais e nas ruas, com posturas claramente fascistas.

 

Uma diferença essencial deste momento, em relação aos anos que precederam o golpe de 64, é que naquela ocasião havia propostas de reformas profundas no país. Por volta de 1962 tinha se encerrado um ciclo de crescimento, que foi da II Guerra Mundial até o início dos anos 60, caracterizado por um vigoroso incremento do PIB e que ensejou ao Brasil ingressar no caminho da industrialização moderna. Este período teve as seguintes características: a) ampliação do mercado interno; b) políticas protecionistas em relação à indústria nacional e apoio à substituição de importações; c) fortes investimentos estatais na infraestrutura de energia, transportes e na produção de insumos básicos; d) estímulos à entrada maciça de capital estrangeiro no setor de bens manufaturados produzidos para o mercado interno; e) facilidades fiscais, cambiais e creditícias concedidas ao capital privado como incentivo à produção industrial; f) e crescimento da oferta de alimentos e insumos agrícolas.

 

Para contra arrestar o esgotamento do referido ciclo de crescimento, dentre outras medidas, no final de 1962, o eminente economista Celso Furtado, então ministro extraordinário para assuntos de Desenvolvimento Econômico, apresentou ao país o Plano Trienal. O Plano, dentre outros assuntos fundamentais, tocava em dois itens sabidamente críticos da agenda nacional: reforma agrária e medidas de controle do capital estrangeiro no país. A ideia de reforma agrária visava combater o latifúndio, expandir um mercado interno para a indústria, ao mesmo tempo que estendia a sindicalização dos trabalhadores rurais. As medidas de controle do capital estrangeiro – como, por exemplo, a limitação da remessa de lucros -, favoreceriam as indústrias nacionais e o desenvolvimento autônomo do país. Não precisa lembrar que a agenda do Plano Trienal é atualíssima, está na ordem do dia do debate nacional. Afinal vivemos um aguçamento da desnacionalização da economia nos últimos anos e a reforma agrária ainda precisa ser realizada.

 

Processos golpistas como o que estamos assistindo no Brasil (e em vários países da América do Sul), certamente não “caem do céu”. Por detrás do aparente caos, operam estratégias cuidadosamente elaboradas e uma questão de fundo essencial, que é uma agenda de resistência histórica que vem no Brasil desde muitos anos. Essa agenda foi derrotada várias vezes na história do país: há algumas décadas, por exemplo, em 1954 (quando renasceu com o suicídio de Vargas, adiando o golpe), em 1961; e duramente derrotada com o golpe de 1964. Essa agenda é, basicamente, a luta por um projeto nacional de desenvolvimento, com distribuição de renda e com soberania em relação às potências imperialistas. Assim como hoje, também na época do golpe de 1964, tinha uma direita que lutava para sintonizar o país à modernidade de um capitalismo baseado na subordinação irrestrita da economia, e na rendição incondicional da sociedade à dominação do capital financeiro internacional. O discurso é por demais conhecido na história: “tudo o que não é mercado é populismo; tudo o que não é mercado é corrupção; tudo o que não é mercado é inflacionário, é ineficiência, atraso e desperdício”.

 

A movimentação pelo golpe hoje está ocorrendo por muito menos do que em 1964. O governo Dilma vem implementando políticas que estão longe dos anseios populares em temas como o Pré-Sal, Lei Anti-Terrorismo, e, especialmente na política econômica. Apesar da saída do ministro Joaquim Levy, o seu sucessor prossegue com o ajuste fiscal, e pretende encaminhar uma reforma da previdência social e outras medidas, que apontam na direção de resolver o problema fiscal penalizando os trabalhadores.

 

Para entender a crise política e econômica do Brasil é fundamental também contextualizá-la no quadro da crise mundial. Com a redução da taxa global de crescimento da economia aumentaram as contradições e a disputa entre as principais potências capitalistas. Países que se prepararam para essa crise (com o esgotamento do boom de commodities, por exemplo) estão sofrendo menos. Com o cobertor mais curto na economia mundial há uma pressão para descarregar a crise nas costas da classe trabalhadora. Neste contexto, ganhos reais de salários, aumentos reais do salário mínimo e políticas sociais empreendidas através do Estado (que reduziram a taxa de pobreza extrema em 63% entre 2004 e 2014) mesmo que moderadas, não são toleradas.

 

Segundo publicação recente do Departamento de Assessoria Parlamentar (Diap), existem cerca de cinquenta projetos de lei anti-trabalhadores e anti-populares, em andamento no Congresso Nacional que, se aprovados em sua maioria, irão desorganizar todo o sistema de direitos democráticos conquistados na Constituição de 1988, fruto de décadas de lutas dos movimentos sociais. Entre eles estão: terceirização total das relações de trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado, regulamentação e retirada do direito de greve dos servidores públicos, a privatização das empresas públicas, a independência do Banco Central. A lista é muito mais extensa. Por isso é fundamental enfraquecer e desacreditar a ação dos sindicatos e dos movimentos sociais, escudo natural dos ataques aos direitos.

 

Além da necessidade de aumentar a exploração dos trabalhadores, um fator explicativo central na motivação pelo golpe contra a democracia se refere à fatores geopolíticos. A aproximação do Brasil com os Brics, a Lei de Partilha para exploração do pré-sal e o que ela representa do ponto de vista da soberania nacional, a aproximação com os países da América Latina, tudo isso entrou em rota de colisão com interesses do Império.

 

 

Por José Alvaro Cardoso - Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.