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28/09/2017 | Artigos

Dívida de Santa Catarina: não pagar a conta do parasitismo

Por Tamara Siemann Lopes [1]

Este artigo inicia com um franco questionamento: qual a legitimidade de uma dívida que iniciou em R$ 5,4 bilhões e saltou para R$ 9,3 bilhões; sendo que o devedor já pagou R$ 13,3 bilhões? O devedor em questão é o estado de Santa Catarina. Assim como outros entes federados, o nosso estado se submete a refinanciamentos infinitos, beneficiando um sistema parasitário e deixando à mingua os serviços públicos. Ou seja, os impostos que deveriam financiar os serviços básicos como educação, saúde, segurança pública, infraestrutura e custeio estatal tem sido destinados para o pagamento de uma dívida que não parece ter fim.

O aprofundamento da crise financeira levou o governador Colombo e seu ex-secretário da Fazenda, Gavazzoni, a questionarem a dívida de Santa Catarina em Brasília no ano passado, principalmente no que se refere ao cálculo abusivo de juros. Longe de estarem numa missão em nome da justiça fiscal, estes políticos simplesmente desejavam não pagar algumas parcelas naquele ano – a missão saiu vitoriosa.

Salvou-se o ano fiscal graças à negociata que pavimentou o projeto enviado por Colombo em setembro de 2017 à ALESC[2], projeto que propõe a adesão ao regime de recuperação fiscal dos estados. Se o estado aderir a este regime, as despesas do estado com a manutenção dos serviços públicos e investimentos serão congelados por dois anos e estará dado o primeiro passo para que se venda as empresas estatais. Um ataque direto aos catarinenses, que terão serviços públicos ainda mais precarizados e seu patrimônio corroído por um sistema de endividamento arquitetado para escoar riquezas dos estados para a União, que financia a sua própria dívida por meio deste mecanismo.

Voltamos ao questionamento inicial: é justo que mesmo após pagarmos R$ 13,3 bilhões por uma dívida que iniciou em R$ 5,4 bilhões, ainda se acuse o estado de dever R$ 9,3 bilhões? Ou seja, mesmo que Santa Catarina já tenha pagado quase 2,5 vezes daquilo que renegociou, acusa-se o estado de ainda dever o dobro do valor inicial da dívida! Chega a ser irônico que uma lei desta natureza seja intitulada de recuperação fiscal. Recuperar fiscalmente o estado de Santa Catarina requer a abertura da caixa preta deste endividamento, e não simplesmente empurrar a dívida para o próximo que for eleito governador.
 

Verdades inconvenientes sobre o endividamento de estados e municípios com a União

A origem nebulosa do endividamento põe em cheque sua legitimidade. As dívidas de estados e municípios iniciaram na década de 70, quando os entes demandavam recursos principalmente realizar as obras de infraestrutura da época, como as rodovias. Os órgãos do governo (Ministério da Fazenda e Banco Central), dominados pela corrupção característica do período militar, escolhiam o órgão financiador e não garantiam transparência nos contratos. Os empréstimos eram realizados com credores internacionais e sem o devido controle e transparência; onde os documentos, na maioria das vezes, omitiam as condições, tal como os juros, acréscimos e número de parcelas. 

No caso de Santa Catarina, o primeiro endividamento foi contraído para a construção da Ponte Hercílio Luz, valor equivalente a dois orçamentos anuais do estado, cuja quitação ocorreu apenas em 1978. A dívida com a União foi contraída por meio de renegociações que ocorreram no final da década de 70, crescendo continuamente nas duas décadas seguintes. O relatório da dívida estadual[3] não detalha os termos em que se renegociou as dívidas naquele período, apenas expõe seus credores (BESC, BRDE, Badesc, Banco do Brasil, Caixa Econômica, além dos lançamentos através do Tesouro do Estado).
A implementação do Plano Real agravou a situação fiscal dos estados. Em matéria divulgada no sítio do Senado Federal[4], diversos especialistas convergem nas suas análises ao apontar a responsabilidade federal pelo endividamento dos entes federados:

Segundo João Pedro Casarotto, da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais), fica clara em vários documentos a parcela de responsabilidade do governo federal nas dificuldades financeiras enfrentadas pelos estados. “Os problemas fiscais dos estados e do Distrito Federal agravaram-se nos últimos anos, especialmente após a implementação do Plano Real, com a política monetária restritiva adotada pelo governo. Passaram a enfrentar uma séria crise de financiamento, já que o mercado passou a exigir taxas de juros cada vez mais elevadas”, diz o texto do relatório do TCU sobre as contas do governo de 1998. “Tudo isso gerou menos atividade econômica, menos receita nos estados. Acompanhados dos juros altos, tivemos mais gastos. Isso causou um descontrole total das finanças estaduais”, justifica Casarotto. A combinação de juros altos com inflação baixa foi, para ele, “o grande iniciador” do endividamento. “Em novembro de 97, a inflação já estava em 0,17%. E a União, naquele mês, quando foi impulsionada uma série de assinaturas de contratos [de renegociação da dívida], estabeleceu uma taxa Selic anual de 45,67%. ”

Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), a última renegociação feita entre Estados e União se pautou na Lei 9.496/97, que exigia contrapartidas tais como a privatização de patrimônio estatal e a incorporação de dívidas dos bancos estaduais a serem privatizados. A promessa de que o acordo beneficiaria os estados não se concretizou, já que as taxas pagas à União permaneceram altas, calculadas pelo IGP-DI, índice historicamente superior à inflação oficial. O saldo para os estados foi a manutenção de uma dívida impraticável aliada à perda patrimonial e de parte de suas fontes de renda.

Este breve histórico do endividamento dos estados revela que ele se tornou um mecanismo de transferência de recursos dos estados para a União, que também possui a sua própria dívida indexada a juros abusivos, definidos pelo próprio Banco Central, a taxa Selic. O chamado “sistema da dívida” remunera capitais tão extraordinariamente que os investimentos produtivos se atrofiam, já que compensa mais parasitar na esfera financeira da economia, e diante dos juros altíssimos, há desestimulo para os empresários contraírem dívidas que serviriam para investirem na esfera real da economia.

Diversas denúncias e debates já foram realizados no âmbito federal, conforme nos informa a ACD. A CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010 e demais trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida têm demonstrado que a dívida pública não tem contrapartida legítima e acumula uma série de escândalos, por exemplo[5]:

• transformações de dívidas do setor privado em dívidas públicas;

• utilização de mecanismos meramente financeiros que geram dívida sem contrapartida alguma ao país ou à sociedade, a exemplo das escandalosas operações de swap cambial e operações compromissadas realizadas pelo Banco Central que já superam R$ 1 trilhão;

• pagamento de excessivos, ilegítimos e injustificáveis juros, encargos e taxas que multiplicam o valor da dívida por ela mesma;

• contínuo pagamento de juros sobre juros de forma insustentável, que configuram a ilegal prática do anatocismo;

• contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização, o que tem servido para burlar o art. 167, III, da Constituição Federal (regra de ouro);

• pagamento de ágios injustificáveis que chegaram a 70% do valor nominal, em resgates antecipados, ou seja, sobre dívidas que sequer se encontravam vencidas;

• operações de transformação de dívida em paraísos fiscais, sem transparência alguma, e com suspeita de renúncia à prescrição;

• refinanciamentos obscuros com cláusulas expressas de renúncia à soberania, renúncia à imunidade e renúncia à alegação de nulidade, ainda que existente nos contratos;

• transformação de questionáveis passivos de bancos em dívidas públicas;

• remanejamento estatístico obscuro, gerando obrigação financeira adicional;

• ausência de documentação e de transparência desde a origem na década de 70, tanto da dívida federal como estaduais;

• falta de justificativa plausível para o crescimento espantoso, de mais de R$ 730 bilhões da dívida interna federal em apenas 11 meses de 2015, ano em que o investimento no País foi de apenas R$9,6 bilhões.

• diversos e graves indícios de ilegalidade e ilegitimidade.

São estes mecanismos que usurpam direitos sociais, conformando um Estado que serve ao enriquecimento de poucos e sustenta uma estrutura social marcada pela profunda desigualdade.

Segundo dados divulgados recentemente pela Oxfam[6], seis brasileiros concentram a mesma riqueza que metade da nação – isso mesmo, os ricaços Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra (Banco Safra), Marcel Hermmann Telles (AB Inbev), Carlos Alberto Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook) e Ermirio Pereira de Moraes (Grupo Votorantim) detém a mesma riqueza que outros 100 milhões de brasileiros. Enquanto não for aberta a caixa preta do endividamento e os prejudicados não tomarem para si o protagonismo desta pauta, os prejuízos continuarão recaindo sobre a população trabalhadora, cada vez menos assistida por serviços públicos, com um Estado que objetiva retirar os poucos direitos que restaram enquanto reprime brutalmente os pobres, negros e periféricos.
    
[1] Tamara Siemann Lopes é Economista no DIEESE - Subseção dos Trabalhadores do Setor Público de SC
[2] http://www.alesc.sc.gov.br/expediente/2017/PL__0350_9_2017_Original.pdf 
[3]http://www.sef.sc.gov.br/arquivos_portal/relatorios/61/Relatorio_Quadrim... 
[4] https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/contas-publicas/co... 
[5] Fonte: http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/07/29/carta-aos-parlamentare... 
[6] https://www.oxfam.org.br/a-distancia-que-nos-une 


Fonte: Iela