BLOG SINDASPI-SC
Sobre as tarefas da esquerda e das organizações dos trabalhadores no momento político atual
Está em curso
uma mudança profunda na situação política brasileira. Por anos predominou no
país uma relativa estabilidade na luta de classes, numa relação de forças
amplamente favorável às classes dominantes e controle político bastante forte
do governo de frente popular encabeçado pelo partido dos trabalhadores. Até
quatro semanas atrás, não havia muita dúvida, inclusive, sobre a probabilidade
de reeleição de Dilma nas eleições do ano que vem.
As manifestações
de rua, que sacudiram o país nas últimas semanas, causaram um furacão político
nestas paragens. E elas devem continuar, talvez com uma diminuição
significativa do número de participantes em cada uma delas depois da Copa das
Confederações. Mas engana-se quem acha que isto significa que o processo está
se fechando e que tudo voltará a ser como antes.
Estamos apenas
no início de um processo que tende a se aprofundar no próximo período, não
necessariamente adotando a mesma forma (manifestações massivas de rua). Agora
mesmo podemos identificar, na generalização de pequenas manifestações que estão
ocorrendo por todo o país em torno a demandas locais ou específicas, o quanto o
processo se espalha. Tudo indica que devemos ir a um aprofundamento do processo
de contestação social e política recém-inaugurado. E deve se manifestar também
nas lutas dos setores mais organizados da classe trabalhadora, como as
campanhas salariais já agora no segundo semestre.
Por outro lado,
uma das maiores fragilidades do processo de lutas atual é que ainda não
entraram nele, com peso, os setores organizados da classe trabalhadora, com
seus métodos de luta e suas reivindicações. O futuro deste processo, a saída
que vai ser construída para o país a partir dele, vai depender de se, e como, a
classe entra nesta luta.
Se entrar com
seus métodos de luta e para cobrar dos governos, Dilma em particular, o
atendimento de suas reinvindicações e das demandas das ruas, pode gestar
condições para que se deem mudanças mais profundas no país. Este quadro
colocaria em questão o modelo econômico que o governo do PT (copiando os
governos do PSDB) aplica no país. E, com isso, os privilégios que a burguesia
aqui instalada mantem à custa do sacrifício que impõe aos trabalhadores e ao
povo pobre.
A importância do
protesto nacional de 11 de julho
Dia 11 de julho
foi definido pelas centrais sindicais como um dia de greves, paralisações e
manifestações em defesa da pauta comum definida na reunião realizada em São
Paulo no dia 26 passado. Mas é preciso que o norte estabelecido naquela reunião
não se perca: trata-se de um dia de lutas para cobrar dos governos o
atendimento das reivindicações da nossa classe e das demandas das manifestações
das ruas.
É grande a
responsabilidade das centrais sindicais, os sindicatos, os movimentos sociais
que tem compromisso com os trabalhadores em nosso país. Será um primeiro grande
teste para a entrada em cena da classe trabalhadora, com suas reivindicações,
com seus métodos de luta. Assim fortaleceremos as mobilizações que já ocorrem
no país e reuniremos mais força para conquistar nossas reivindicações e
forçarmos os governos a atenderem as demandas das mobilizações de rua, que são
também demandas da classe trabalhadora.
Apenas um
primeiro passo de uma longa jornada
A satisfação das
reivindicações dos trabalhadores e das demandas das ruas implica em virar de
cabeça para baixo a política econômica aplicada hoje no país. O atendimento das
necessidades dos trabalhadores não cabe dentro do modelo econômico aplicado
pelo governo Dilma. Este modelo assegura o privilégio dos bancos, das grandes
empresas, das empreiteiras e do agronegócio. Impossível atender as necessidades
dos trabalhadores sem romper com isso.
Sem parar o
pagamento da dívida externa e interna; sem parar o processo de privatizações e
reverter aquilo que já foi privatizado; sem parar de dar dinheiro público para
as grandes empresas; sem libertar o país do jugo dos bancos, estatizando o sistema
financeiro; enfim, sem medidas de fundo como estas, não há solução possível
para as mudanças que os trabalhadores e o povo pobre precisam que seja feita no
Brasil. Por isso mesmo, trata-se de uma luta muito dura a que temos pela
frente. Trata-se de uma luta contra o modelo econômico vigente no país, contra
os interesses dos grandes empresários que estão resguardados neste modelo e,
portanto, também contra o governo que o aplica.
Não só o governo
Dilma, do PT, mas também os governos estaduais e municipais, do PT, PSDB, PMDB,
etc. São estes governos, com suas escolhas acerca do que fazer com os recursos
e a riqueza do país, os responsáveis pelas mazelas que afligem a vida dos
trabalhadores e do povo pobre. E que, com a repressão e criminalização da luta
dos trabalhadores, tratam de manter a ferro e fogo a exploração do nosso povo
para enriquecer os banqueiros e grandes empresários.
Por esta razão o
passo que damos agora, no dia 11 de julho, é apenas um primeiro passo. Que pode
e deve desencadear uma longa jornada de lutas. Ao invés do que aí está,
precisamos lutar por outro modelo econômico para o país que, ao invés de
privilegiar o grande capital, privilegie os interesses e as necessidades dos
trabalhadores.
Não será uma
luta fácil, não são pequenos os interesses envolvidos. Por isso é preciso
pensar desde já como avançar na construção de formas de luta mais agudas, que
responda à necessidade do enfrentamento que está colocado. Entra aqui a
necessidade da construção de uma greve geral no país, que eleve o patamar da
contestação e a força da luta da nossa classe.
E é na esteira
desta luta que nossa classe precisará forjar uma alternativa política, de
governo e de poder, que ultrapasse a velha polarização PT versus PSDB, pois
estas duas alternativas defendem o mesmo modelo econômico que aí está.
Precisamos de um governo da classe trabalhadora, que possa enfrentar os
privilégios dos grandes capitalistas e mudar o Brasil, assegurando que os
recursos do país e a riqueza produzida pelo trabalho do povo sejam utilizados
para assegurar vida digna a todos.
O dilema das
organizações de trabalhadores que apoiam o governo
É emblemático o
fato de a direção da CUT, já no dia seguinte à reunião das centrais que
convocou o dia 11 (e depois da audiência com a presidente Dilma), anunciar o
embarque da central ?com todas as suas forças? na campanha em defesa da reforma
política e do plebiscito proposto pela presidenta. E isso depois de declarar à
imprensa que ?não foi à reunião para discutir com a presidenta as reivindicações
dos trabalhadores?.
O site da CUT
desde então trata a reforma política como reivindicação histórica da central e
diz que esta bandeira ganhou as ruas em todo o país (sic). A resolução adotada
na última reunião da direção da CUT central apoia a pauta definida
conjuntamente pelas centrais, mas acrescenta que a central vai fazer uma
campanha pela reforma política com plebiscito.
Mas não é só a
direção CUT que pende para este lado. A direção de alguns movimentos sociais
importantes também tem insistido em ?unir a esquerda? sob estas bandeiras
(reforma política e plebiscito) que, não por coincidência, são as principais
bandeiras políticas do governo Dilma neste momento.
Aqui, de fato, a
estratégia não é gestar uma saída que questione o modelo econômico atual, que
promova as mudanças que as manifestações reclamam nas ruas e os trabalhadores
precisam para avançar em suas conquistas. O que se pretende é fazer com que o
movimento dos trabalhadores possa ser usado na defesa do próprio governo. Dessa
forma seria possível, como diz o ditado, ?mudar tudo para deixar tudo como
estava?. A estratégia é salvar o governo do PT agora, e buscar viabilizar sua
continuidade nas eleições do ano que vem.
Para tentar
justificar essa política, volta o velho e surrado argumento do ?governo em
disputa? e que, apoiado nestas manifestações se pode enfraquecer a direita
dentro do governo e trazê-lo para a esquerda. O pequeno problema é que os
principais defensores das políticas neoliberais dentro do governo são
justamente a presidenta da república, o ministro da fazenda e a ministra do
planejamento. E são todos do PT!
Como pode restar
dúvida quanto a isso, quando se analisa o que este governo faz pelo o
Agronegócio, por um lado, e pela reforma agrária por outro? Quando tira
dinheiro da previdência para ajudar as empresas por um lado (desoneração da
folha de salários) e nega o fim do fator previdenciário aos trabalhadores? A
única disputa que existe dentro deste governo é entre os setores que querem
privilegiar mais o capital industrial contra aqueles que querem privilegiar
mais o capital bancário (que nem são interesses tão distintos assim).
Na verdade,
estes setores da esquerda estão diante de um dilema e precisam fazer uma
escolha: ou ficam do lado dos trabalhadores e a luta pelo atendimento de suas
reivindicações ? que não tem como não ser uma luta contra os governos que aí
estão, Dilma inclusive - ou ficam do lado do governo e vão ter de abandonar a
luta em defesa dos interesses da nossa classe. Estas duas alternativas são
completamente incompatíveis uma com a outra.
O fantasma da
ameaça de golpe da direita
Esse é outro
argumento que não se sustenta na realidade. Não há nenhuma possibilidade de a
direita dirigir este processo de lutas para dar um golpe de estado no país.
Primeiro, porque 90% das demandas levantadas nas manifestações choca-se de
frente com os privilégios da direita que são garantidos pelo modelo econômico
vigente aplicado pelo governo que aí está. O grande empresariado tem sido
beneficiado pelos governos do PT com uma lucratividade ?nunca antes vista neste
país?, como gosta de dizer, com propriedade é bom que se diga, o ex-presidente
Lula.
Assim, não há
base política na burguesia aqui instalada (seja nacional, seja multinacional)
para açular militares a darem uma quartelada. Militares que, aliás, estão
solidamente disciplinados apoiando o poder civil. As únicas movimentações de
militares que se vê no país são aquelas destinadas a reprimir os manifestantes.
Inclui-se aqui a Força Nacional e o Exército Brasileiro que, por determinação
do governo Dilma, foram usados na repressão na última manifestação em Belo
Horizonte (26/6). Os grupos de ultradireita que tem atacado manifestantes nas
mobilizações de rua são um fenômeno normal numa situação de polarização da luta
de classes como a que estamos vivendo, mas são irrelevantes no cenário político
nacional. Seria risível creditar a estes grupos qualquer possibilidade de
desestabilização do regime político vigente.
Mas não
bastassem estes argumentos há outro, que não podemos nos esquecer: a maior
parte da direita brasileira sequer pensa na hipótese de um golpe contra o
governo, pela simples razão de que ela está dentro do governo. O que é o PMDB,
o PP, o PR, o PRB, o PSD, só para dar alguns exemplos? José Sarney, Henrique
Alves, Collor de Melo, Francisco Dorneles, são o quê, senão representantes da
direita tradicional do país dentro do governo. Ficam de fora apenas o PSDB e o
DEM que, obviamente querem aproveitar a crise atual para se cacifar para as
eleições do ano que vem.
Reforma Política
e Plebiscito
O governo acena
com uma reforma no sistema político através de um plebiscito como sua principal
proposta frente à crise. E serve apenas para desviar a atenção das demandas
concretas dos trabalhadores. Apoia-se em um sentimento de repúdio da população
à corrupção generalizada e aos desmandos das autoridades e dos políticos para
tentar vender essa reforma como uma solução para as mazelas que afligem a vida
da população.
Nós também
achamos que o sistema político brasileiro, dominado pelo poder econômico e pela
corrupção, precisa sim mudar, ninguém aguenta mais tanta bandalheira. Mas não
pense a presidenta que as pessoas vão ser enroladas dessa forma. A população
quer sim discutir mudanças no sistema político, mas não aceitará que esta
discussão seja apenas uma forma de fugir do atendimento das demandas concretas
que estão postas pelas manifestações.
Se a solução é
plebiscito, por que então não convocar um plebiscito para que o povo decida se
o país deve ou não aplicar 10% do PIB na educação pública, já? Porque não
perguntar no Plebiscito, se o povo concorda, sim ou não, que o país continue a
destinar metade do orçamento federal (foram 750 bilhões de reais no ano
passado) para banqueiros e grandes especuladores, sob a forma de pagamento de
uma dívida que ninguém sabe se existe?
Porque não
perguntar no Plebiscito se o povo é a favor de leiloar as reservas de petróleo
que o país tem, para as empresas privadas estrangeiras? Ou então se o povo é a
favor, sim ou não, de o governo continuar priorizando o agronegócio para
exportação ao invés de fazer a reforma agrária e garantir a produção de
alimentos para o povo brasileiro?
Se o assunto que
se quer é reforma política, é mudar o sistema político, poderia começar por
perguntar se o povo é a favor, sim ou não, de que o salário de um deputado,
senador ou presidente da república, seja igual ao salário de um professor? Se o
povo é a favor, sim ou não, da revogabilidade do mandato do político que não
cumprir seus compromissos de campanha? Se o povo é a favor, sim ou não, de
cadeia e confisco dos bens de todos os corruptos e corruptores?
Mas não são
estas respostas que procuram aqueles que propõem o plebiscito. Querem tratar de
temas que apenas ajudarão os mesmos políticos e partidos que sempre dominaram a
política brasileira a definir como é que vão continuar dominando. Trata-se de
uma cortina de fumaça para tentar proteger o governo - e os interesses da
direita que este governo defende - da cobrança das manifestações de rua, e
tentar evitar que os trabalhadores cobrem o atendimento de suas reivindicações.
Difícil que este artifício atinja seus objetivos no quadro político atual.
Artigo: Zé Maria