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25/09/2013 | Direitos do trabalhador

A redução da jornada e a necessária reorientação estratégica do movimento sindical

Apesar de as principais centrais sindicais apoiarem a PEC 231/95, referente à redução da jornada de trabalho, é preciso "introduzir de forma mais efetiva a discussão sobre o fim do banco de horas e a compensação justa de horas-extras", diz Bernardo Corrêa à IHU On-Line. Segundo ele, "o banco de horas tem sido um dos principais mecanismos deste processo de não compensação e, portanto, de incremento à superexploração e à precarização da força de trabalho". Na avaliação do sociólogo, "a flexibilização da jornada não tem favorecido os trabalhadores, pois tem feito com que se amplie o mecanismo de apropriação pelo capital da parte não remunerada do trabalho".Na avaliação do sociólogo, ao aceitarem o banco de horas, CUT, Força Sindical, CTB e CGT "terão uma contradição mesmo que haja a redução da jornada formal, pois esta apropriação informal e flexível do tempo livre dos trabalhadores seguirá permitindo que as empresas incrementem a taxa de exploração mediante um tempo de trabalho que não é sequer negociado".

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele enfatiza a necessidade de uma "reorientação estratégica do movimento sindical, superando o corporativismo, a cooptação por parte do Estado e a burocratização das direções sindicais, para que o movimento dos trabalhadores possa de fato reconquistar a iniciativa, única forma, a meu ver, de garantir a redução da jornada e combater sua flexibilização".

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Como as centrais sindicais têm se posicionado diante da PEC 231/95?


Bernardo Corrêa - As principais centrais se posicionam a favor da PEC, no entanto seria necessário introduzir de forma mais efetiva a discussão sobre o fim do banco de horas e a compensação justa de horas-extras. Sei que Conlutas e Intersindical se posicionam contrariamente ao banco de horas, mas CUT, Força Sindical, CTB e CGT, ao aceitarem, terão uma contradição mesmo que haja a redução da jornada formal, pois esta apropriação informal e flexível do tempo livre dos trabalhadores seguirá permitindo que as empresas incrementem a taxa de exploração mediante um tempo de trabalho que não é sequer negociado.



IHU On-Line - Por que é difícil reduzir a jornada de trabalho no Brasil?


Bernardo Corrêa - Não podemos ter uma explicação monocausal para esta questão. Em primeiro lugar, é preciso localizar o Brasil no cenário internacional e no que David Harvey, geógrafo marxista inglês, tem chamado de acumulação flexível. Ou seja, formas cada vez mais desregulamentadas e precarizadas de trabalho. Poderíamos enquadrar aí os processos de terceirização (nas empresas e na administração pública), iniciados na década de 1990 e que se alastraram durante os anos 2000, assim como modificações na gerência sobre o trabalho e a produção, modalidades como o just-in-time, entre outros que compõem a receita toyotista. Em tempos de crise, este processo de flexibilização tem se intensificado inclusive em países centrais do capitalismo, como China, EUA e Japão, e com força, desde 2007, nos países do sul da Europa. Neste cenário, o Brasil, como país dependente na economia-mundo, foi extremamente afetado pelas políticas neoliberais, particularmente após os anos 1990. Também se fragilizaram as formas associativas clássicas dos trabalhadores, e logo, da resistência às sistemáticas retiradas de direitos. Obviamente, por razões econômicas, a redução da jornada não partiu dos patrões, e os trabalhadores não tiveram forças para conquistá-la. Precisamos de uma reorientação estratégica do movimento sindical, superando o corporativismo, a cooptação por parte do Estado e a burocratização das direções sindicais, para que o movimento dos trabalhadores possa de fato reconquistar a iniciativa, única forma a meu ver de garantir a redução da jornada e combater sua flexibilização.



IHU On-Line - Quais são os principais mecanismos utilizados para flexibilizar a jornada de trabalho?


Bernardo Corrêa - Somado à informalização do trabalho, creio que um dos mais importantes é o banco de horas, pois a legislação sobre as horas-extras é muito clara no que se refere à compensação; justamente por ser extra, deve ser remunerada em uma proporção superior à hora normal trabalhada. Conforme pesquisas realizadas pela Organização Internacional do Trabalho ? OIT e pelo DIEESE, pudemos notar que a maioria das negociações têm sido feitas na proporção 1h/1h, ou seja, remunerada como hora normal de trabalho e paga com folgas, algo que só o banco de horas permite e que, na maioria das negociações coletivas pesquisadas, sequer foram elementos da mesa de negociação. Além disso, não são raras as notícias de que ?se perdem? horas que jamais serão compensadas. Utilizando a metáfora do artigo, estas horas ?escorrem? pelas mãos dos trabalhadores de maneira gelatinosa como o relógio de Dalí.



IHU On-Line - Quais são as implicações trabalhistas de uma jornada de trabalho flexível? Como você vê a introdução do banco de horas nas empresas?


Bernardo Corrêa ? As repercussões são perversas, pois o tempo de trabalho é central na exploração do trabalho pelo capital, particularmente o tempo não pago, pois é nele que reside a mais-valia que, ao realizar-se, impulsiona a acumulação capitalista. Logo, se a proporção entre trabalho não pago e salário varia favorecendo o primeiro, a taxa de exploração é maior tanto quanto a taxa de mais-valia. Em poucas palavras, a flexibilização da jornada não tem favorecido os trabalhadores, pois tem feito com que se amplie o mecanismo de apropriação pelo capital da parte não remunerada do trabalho. O banco de horas tem sido um dos principais mecanismos deste processo de não compensação e, portanto, de incremento à superexploração e à precarização da força de trabalho.



IHU On-Line - Pode nos explicar a ideia de que parece haver uma espécie de colonização do tempo disponível sobre o tempo livre?


Bernardo Corrêa - É uma discussão, em última instância, relacionada aos sentidos do trabalho e da vida fora da atividade laboral. O que entendemos por tempo livre é justamente aquele relacionado à fruição e à possibilidade de desenvolvimento de atividades artísticas, culturais, científicas ou mesmo de lazer que se realizam fora do trabalho. O tempo disponível é aquele que, em um cenário de alienação do trabalho que caracteriza o capitalismo, é disponível ao capital. Muitos autores têm enfatizado que o próprio consumo vem ganhando cada vez mais contornos produtivos. Quando pensamos, por exemplo, que grande parte da classe trabalhadora ?aproveita? seu tempo de lazer em shoppings, consumindo, podemos notar que a ausência de espaços públicos com este fim incrementa o ciclo de acumulação, corroborando esta tese. Para garantir os altos níveis de consumo, dado que os salários no Brasil são baixos, impõem-se jornadas extenuantes, tendo as horas-extras como mecanismo de complementação salarial. Neste sentido, aumenta a disponibilidade da força de trabalho ao capital em detrimento do tempo livre dos trabalhadores, aumentando inclusive as doenças do trabalho, como muitas pesquisas têm apontado. É uma tendência do capitalismo contemporâneo, que se reforça com sua crise.



IHU On-Line - Em artigo recente você menciona o exemplo da França, onde as jornadas trabalhistas são de 35 horas, mas aponta que mais de 60% da população tem jornadas acima de 49 horas semanais. Por que isso acontece?


Bernardo Corrêa - Na França, temos um fenômeno distinto relacionado à imigração da força de trabalho de países periféricos e à informalidade que impera no trabalho dos imigrantes. Este aspecto agrava o hiato entre trabalhadores estáveis e temporários com a presença marcante do trabalho dos jovens. Evidentemente, às empresas interessa reduzir seus custos, pois a legislação trabalhista europeia em geral e a francesa em particular é bastante robusta no que se refere aos direitos. Pelo grau de informalidade (e infelizmente de xenofobia), a organização sindical e a resistência à precarização dos contratos são bastante difíceis. Segundo a própria OIT, este fenômeno é determinante para o aumento da jornada. Em outros países, como Portugal, temos experiências associativas interessantes de resistência à precarização do trabalho, como a Associação dos Precários Inflexíveis, que pode ser um bom exemplo para o conjunto da Europa.



IHU On-Line - Quais as razões de haver uma tendência global à perda de força da secular intenção à redução da jornada?


Bernardo Corrêa - A situação de crise pela qual passa o capitalismo em escala global faz com que as grandes corporações e bancos queiram repassar os seus custos para os trabalhadores. O expediente utilizado é a produção de desemprego e a diminuição dos direitos conquistados, através do desmantelamento do que restou do Estado de bem-estar social. Há, nesse caso, uma baixa no preço da força de trabalho (salários) e também apresentam-se mais dificuldades e desafios às formas associativas clássicas, como os sindicatos. Desse modo, ao produzir uma situação de instabilidade e incerteza, propicia-se um cenário no qual as pessoas aceitam piores condições de trabalho, por razões óbvias de sobrevivência. Sem alternativas de resistência, o que resta? A iniciativa patronal, geralmente disposta à máxima utilização produtiva do trabalho, que é medida essencialmente pelo tempo disponível. Portanto, enquanto não se fortaleçam as forças do trabalho, prima a tendência pelo aumento, e não pela diminuição da jornada, mesmo que comprovadamente a produtividade do trabalho tenha aumentado em escala global com a introdução de inovações tecnológicas, da microeletrônica, etc. É como aquele jogo do ?cabo de força?. Para que uns poucos sigam ganhando muito, muitos passarão a ganhar pouco e trabalhar muito. Por isso, é tão necessário lutar para mudar esta situação.



IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?


Bernardo Corrêa - Uma questão apenas. Refere-se ao Projeto de Lei 4.330 de 2004, que tramita atualmente no Congresso Nacional. O PL, de autoria do Deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), permite a contratação de terceirizados em todas as atividades, inclusive nas chamadas atividades-fim, as principais das empresas, que poderão funcionar sem nenhum contratado direto e fragilizarão a organização e a representação sindicais. Segundo o DIEESE, em seu Relatório Técnico "O Processo de Terceirização e seus Efeitos sobre os Trabalhadores no Brasil", a diversificação dos contratos tem associado de forma indelével a terceirização à precarização em nosso país. Julgo, entretanto, que a partir do levante que houve em junho e da greve geral de 11 de julho deste ano, estamos em melhores condições para derrotar este tipo de proposta, visto que as mobilizações colocaram os governos e os parlamentares em uma situação defensiva, modificando o ?tabuleiro? político que parecia tão estável. Caberá ao movimento sindical conectar-se a esses novos movimentos sociais para que se possa avançar na defesa dos direitos. Talvez este seja o maior desafio dos sindicatos, passados 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho.


 

Entrevista com Bernardo Corrêa -  sociólogo da Fundação Lauro Campos.

Fonte: IHU