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21/10/2015 | Economia

Artigo: Se a dívida pública é tão legítima, por que não discutir o assunto profundamente?

O artigo do economista José Álvaro Cardoso traz a discussão vários pontos importantes sobre a dívida pública no Brasil, desde irregularidades nas taxas, quanto na legitimidade de cobranças. A CPI criada em 2010 na Câmara Federal verificou, por exemplo, que negociações da dívida externa com bancos privados internacionais não foram auditadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), como prevê a legislação. Boa leitura.



 

Recentemente, o economista Adriano Benayon, profundo conhecedor do assunto, em oportuno artigo (Cair na real – LRF e juros 03.10.2015), verificou que, de janeiro de 1995 até agosto de 2015, a dívida pública interna passou de R$ 135,9 bilhões (contando com as dívidas de estados e municípios) para R$ 3,83 trilhões. Ou seja, a dívida interna foi multiplicada por 28 no período, com crescimento médio anual de 18,65%, decorrente da capitalização dos juros e da correção monetária. Segundo o autor, desde a Constituição de 1988 os gastos com a dívida pública, atualizados monetariamente, superam os R$ 20 trilhões.

Em função dessa evolução exponencial, fica quase impossível definir o que é legítimo e o que é fruto de desvios, malversação e gestão equivocada da dívida. Segundo a ex-auditora fiscal da Receita Federal, Maria Lúcia Fattorelli, especialista no tema, a auditoria da dívida externa do Equador, da qual participou, concluiu pela ilegalidade dos títulos existentes. O governo não sabia nem ao menos com quem negociar a dívida, que aumentava automaticamente, como se fosse determinação divina (no Brasil também é um pouco assim). Segundo Fattorelli, quando o governo resolveu encarar o problema, e suas consequências, a verdade dos fatos começou a aparecer: o executivo equatoriano propôs pagar 30% do valor de face dos títulos e (pasmem) 95% dos detentores dos títulos aceitaram a negociação. Ao final do processo o Equador havia conseguido liquidar 70% de sua dívida externa em títulos.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da dívida pública do Brasil, da Câmara Federal, concluída em maio de 2010, apontou vários indícios de irregularidades. A começar pela prática de manter as taxas de juros entre as maiores do planeta (em muito períodos, a maior), que levou ao crescimento exponencial da dívida, inclusive nos estados e municípios. A CPI constatou generalizada falta de controle e registro do processo de endividamento, o que inviabiliza a transparência e fiscalização. Além disso, o relatório da CPI, apontou inúmeras ilegalidades na formação e gestão da dívida. Uma das mais importantes é a prática do anatocismo, transformação de juros em capital, sobre o qual passaram a incidir novos juros. Esta é uma prática ilegal, reconhecida pela Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal. Há também, segundo o relatório da Comissão, a inexistência de contratos e documentos acerca das dívidas, tanto interna quanto a externa.

Para se ter ideia da gravidade, em relação ao descumprimento de atribuições legais e constitucionais pelos órgãos de controle do endividamento público federal, a CPI verificou que algumas importantes negociações da dívida externa com bancos privados internacionais não foram sequer auditadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), como prevê a legislação. Este mesmo TCU que, recentemente, se mostrou tão preocupado com as contas públicas, ao emitir parecer contrário à aprovação das contas de 2014 do Governo Federal, alegando a existência das chamadas “pedaladas fiscais” (atraso do repasse de dinheiro para bancos (públicos e privados) e autarquias, como o INSS, por parte do Tesouro Nacional).

Os danos à sociedade e ao patrimônio público, decorrentes da política de gestão da dívida, foram largamente documentados pelo relatório da CPI, porém não houve consequências práticas no enfrentamento dos problemas. O relatório final não recomendou a auditoria da dívida (que seria o encaminhamento principal) ou mesmo o acionamento do Ministério Público para investigações sobre as ilegalidades verificadas ao longo dos trabalhos da Comissão. Como estamos tratando de um “sistema da dívida”, com aspectos econômicos e financeiros, mas também políticos, ideológicos e culturais, a sociedade praticamente nem ficou sabendo da CPI. Uma auditoria teria a  condição de realizar um diagnóstico profundo da formação e composição da dívida, estabelecendo o que é e o que não é legítimo. Se a dívida é legítima como afirmam alguns, qual seria o problema de auditá-la?

Sempre que esse debate ressurge, a ideia de realizar uma auditoria é imediatamente desqualificada como tentativa de “calote”, visando gerar na sociedade uma aversão à essa alternativa. Isto aconteceu em vários países – inclusive recentemente, no processo grego - porque os credores da dívida são uma minoria muito poderosa, que dispõe de muito dinheiro e, portanto, com muita influência na sociedade, nos meios de comunicação e nas instituições. É certo que a conquista do desenvolvimento e da soberania no Brasil passa pelo enfrentamento corajoso da questão da dívida pública. Mas, em função do “sistema da dívida”, dificilmente, esta será uma iniciativa dos governos; quando vier – se vier - será através da mobilização da sociedade organizada.

 

Artigo de José Álvaro Cardos, economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.