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12/12/2014 | Geral

O estigma da vítima

Há um fenômeno interessante que acontece frequentemente em contextos de debate, sobretudo os que envolvem questões relativas a minorias: o argumento da “vitimização”, afirmando que alguém – geralmente uma mulher, pessoa negra ou LGBT – se coloca na posição da vítima que não é. Em outros momentos, usa-se a palavra “vítima” como algo pejorativo, algo que é extremamente indesejável ser e, portanto, nenhuma pessoa autônoma, independente e inteligente seria. Bem, esse é um problema bastante grave.

 

É muito lógico assumir que ninguém deseja ser vítima. Ser vitimado é algo ruim; afinal, isso implica ser prejudicado ou agredido de alguma forma. Alguém pode ser vítima nos mais diversos contextos; um acidente no trânsito, um assalto, um estupro – as possibilidades são muitas. Parece algo muito simples, mas em determinados contextos, assumir que a “vítima” é um ser incapaz, sem autonomia, agência, ou assumir que a vítima é definida pelo que sofreu pode gerar muitos prejuízos, não apenas para essa pessoa, mas para toda a sociedade.

 

É possível, por exemplo, que uma moça seja vítima de violência doméstica, assédio ou estupro, para citar alguns exemplos de violência contra a mulher. Talvez seu marido tenha a espancado ou um amigo tenha tirado proveito de sua embriaguez para abusá-la sexualmente. Essa mulher, agora uma vítima, pode ser uma pessoa de autoestima frágil, já amedrontada, retraída e que não se sente empoderada o suficiente em sua vida. Desse modo, a situação de violência pode agravar o quadro e tornar ainda mais difícil a tomada de atitude para sair do abuso e denunciá-lo. De fato, isso é algo que acontece em muitos casos, já que estruturalmente em nossa sociedade as mulheres são encorajadas a comportamentos e personalidades passivas, que nunca devem reagir, levantar a voz e cultivar posturas assertivas.

 

Também é possível que uma mulher independente, autônoma e “bem resolvida” acabe sendo vítima de um crime misógino, como a violência psicológica praticada por um parceiro. Aquela mulher que socialmente é extrovertida, inteligente e segura de si pode se encontrar em um contexto de violência, de modo que em sua vida privada a sua autoestima se encontra destroçada, sua capacidade de se enxergar de forma positiva é bloqueada e ela começa a duvidar de suas próprias desconfianças. Ou seja, aquela mulher, talvez até mesmo feminista, pode se encontrar confusa, duvidando do que está vivendo e questionando se o que está acontecendo é, de fato, uma violência.

 

Tanto para a mulher que já se sentia fragilizada quanto para a mais empoderada, situações de violência causam impactos profundos e severos. Isso é algo natural de qualquer ser humano, que sofre, sente medo e acha que está perdido quando é traído e violentado por alguém que antes admirava. Isso não é algo exclusivo das mulheres, tampouco das mulheres de autoestima baixa e sem autonomia. Um dos maiores problemas desse quadro, no entanto, é o paradigma cultural que afirma a condição de vítima como algo indigno, repugnante e desprezível.

 

Por aprenderem que ser vítima é algo de “gente fraca”, essas mulheres muitas vezes não pedem ajuda e não denunciam seus agressores. Há um forte sentimento de vergonha envolvido. A vítima de sente humilhada e não quer que a sociedade veja como foi enganada, não quer que as pessoas saibam dos detalhes degradantes que viveu. Nossa sociedade não encoraja as vítimas a falarem, tampouco diz a elas que ser vitimada não é atestado de incapacidade e inferioridade. Pelo contrário, o tempo todo ouvimos que fulano está “se fazendo de coitado”; um adjetivo que muitas mulheres vítimas do machismo, especialmente, não querem assumir publicamente.

 

Precisamos refletir sobre isso, pois estamos reproduzindo ideias distorcidas e promovendo o silenciamento das vítimas. O constante reforço da ideia de que somente mulheres fracas e ingênuas se tornam vítimas faz com que muitas mulheres não levantem a voz para denunciar a violência, além de funcionar como um impedimento à plena autonomia dessas mulheres. Isso potencializa o medo, mina a coragem e impede uma tomada de atitude; afinal, quem dará crédito a uma pessoa tão pequena? Por que sua voz será importante?

 

Se essas vítimas soubessem que a violência pode cair sobre qualquer mulher, que ser vítima não é uma vergonha e que, mesmo sendo vítimas de abuso, elas podem falar, levantar o queixo com coragem e discursar assertivamente a respeito desse abuso sofrido, muita coisa certamente seria diferente. Porque é possível sair de uma situação de abuso, superar o medo e denunciar a violência com uma voz de fazer tremer as bases da sociedade. Um exemplo maravilhoso? A jovem Malala, que se recuperou de uma tentativa de assassinato e assumiu um importantíssimo ativismo pelo direitos das mulheres.

 

Assim como Malala, há milhares de mulheres que foram vítimas de alguma violência misógina. Mulheres fortes, articuladas, talentosas e que contribuem para a evolução da humanidade. É certo que no momento da violência essas mulheres sentiram medo, dor e passaram por um sofrimento psíquico intenso, algo plenamente natural – mas também é verdade que o fato de serem vítimas não as definiu como incapazes e manipuláveis. Assim, quando alguém diz que uma mulher está “se vitimizando” ao falar em seu sofrimento após ser violentada, esse alguém está reiterando uma estrutura de poder que tenta impedir a autonomia da mulher; está reforçando que ela é fraca somente porque ser vítima é ser fraca, uma falácia que custa vidas.

 

Por isso, falo diretamente com as minhas leitoras: se você é uma mulher que foi vítima do machismo, saiba que isso não é uma vergonha e nem te define enquanto sujeito. Você tem todo o direito de sofrer, mas saiba que é capaz de se erguer do seu sofrimento. Não acredite em mentalidades machistas que inferiorizam a mulher vitimada. Qualquer uma de nós pode ser vítima do machismo em um ou mais momentos de nossas vidas, mas isso não quer dizer que somos burras, infantis e sem autonomia. Saiba que assim como você, muitas outras mulheres também passaram por situações de abuso. Estamos juntas, lutando para derrubar as estruturas misóginas da sociedade.

 

Denuncie, fale a respeito e peça ajuda – você tem força. Juntas, nós somos mais fortes.

 

 

Fonte: Geledés - Desacato