BLOG SINDASPI-SC
Vivemos no mundo do trabalho um período de doenças da solidão, da mentira e da traição
No
dia 14 de junho, durante o II Seminário do Sindprevs/SC de Saúde do
Trabalhador, promovido pelo Sindprevs/SC (Sindicato dos servidores públicos
federais da Saúde, Previdência e Anvisa), foi realizada a conferência: Agravos
relacionados ao trabalho no Serviço Público. O primeiro palestrante desse
painel, Álvaro Merlo considerou o evento um encontro raro. ?Esse é um dos
poucos locais em que se pode resistir às agressões à saúde mental dos trabalhadores?.
O professor falou da experiência acumulada ao longo de 25 anos, como médico
assistente do Ambulatório de Doenças do Trabalho, que funciona no Hospital de
Clínicas, de Porto Alegre. Nos últimos anos, ele começou a deparar-se com casos
estranhos, encaminhados pelas unidades básicas do SUS, eram relatos graves
ligados à saúde mental, que não apareciam nos primeiros anos de funcionamento
do ambulatório.
Álvaro
disse que esses casos são consequência dos novos modelos de gestão, que também
foram introduzidos no Setor Público com uma lógica inversa do que deveria ser o
setor público. Uma doutoranda do Hospital de Clínicas está estudando os
trabalhados do INSS, da Agência de Santa Maria, e comprovou a insegurança, a
falta de incentivo, o sentimento de impotência gerados pelos novos modos de
gestão baseados na cobrança de metas e avaliações de produtividade.
?Não
foi a genética humana que mudou?, declarou o médico. Do ponto de vista
psíquico, o trabalho constrói a identidade de uma pessoa que é a âncora da sua saúde
mental. O trabalhador precisa do reconhecimento do outro para se construir e
esse reconhecimento é quebrado no processo de assédio moral. Todos os novos
modelos de gestão usam o assédio para gerenciar os trabalhadores, explicou
Álvaro Merlo. Ele citou o exemplo da Walmart, que é campeã em assédio moral.
Nessa
empresa, uma cartazista de quase 40 anos adoeceu e ?não vai voltar mais para o
planeta terra?. Devido a evolução das cobranças, passaram a telefonar para ela
de madrugada, para buscá-la para o trabalho. Ela já tentou suicidar-se duas
vezes e hoje entra em surto psicótico toda vez que ouve um telefone tocando.
Álvaro falou que um médico tradicional não enxergaria a relação da doença dessa
cartazista com o trabalho.
Vivemos
uma época de hegemonia do capital financeiro predador, uma época em que a
solidariedade se perde e as pessoas buscam conforto no consumo, que não
substitue os valores humanos. O patrão ficou maluco!, sintetiza o professor.
?Nos sofrimento psíquicos ligados ao trabalho, a parte visível é o dignóstico,
a parte invisível é o sofrimento produzido pelo trabalho. O empregador quer o
corpo e a alma do trabalhador, por isso o aparecimento dos casos de suicídio no
local de trabalho, deixando cartas e relatos, apontando que a única alternativa
é sair do mundo?.
Para
aumentar os lucros, a variável que pode ser ajustada é o trabalhador, ele
precisa fazer mais com menos. Por isso, segundo Álvaro, toda empresa tem meta,
salário variável, bônus por produtividade. Já ficou comprovado que o bônus é um
mal negócio, com o tempo o trabalhador perde a criatividade e o estímulo.
Álvaro é contrário a avaliações individualizadas e quantificadas que não medem
o trabalho, só os resultados. ?O reconhecimento tem que vir da qualidade e não
da quantidade. E as consequências negativas para os trabalhadores não são
medidas nas avaliações dos consultores.?
Todos
os hospitais universitários estão sendo transformados em Fundações, trazendo o
modelo privado para o setor público. ?O patrão ficou maluco duas vezes, porque
no setor público não há capital investido para recuperar?, declarou o
professor.
O
sofrimento no trabalho atinge todos as categorias, até o hospital é tratado
como uma empresa provocando patologias de solidão. Segundo Álvaro, todos
emprestamos nosso consentimento a esse tipo de gerenciamento e acabamos
permitindo que o assédio se prolifere. A precariedade das condições de trabalho
é outro método de gerenciamento muito usado na atualidade.
O
professor listou o que faz o trabalhador sofrer nos novos modelos de gestão: a
pressão de tempo; o conflito entre qualidade e quantidade a produzir; a
supressão dos tempos mortos (tempo para discutir o trabalho); a frustração por
não poder fazer um trabalho de qualidade; a permanente interrupção de um
trabalho para fazer outro; a exigência da qualidade total; a individualização
das avaliações de produtividade, criada para desmanchar os espaços coletivos e
destruir os sindicatos; e o desaparecimento dos coletivos de trabalho.
Para
Álvaro vivemos no mundo do trabalho um período de doenças da solidão, da
mentira e da traição. Nesse mundo ?não são os mais frágeis que mais correm
risco, e sim os mais comprometidos com o trabalho?. O professor acredita que
esses problemas não podem ser enfrentados individualmente e só poderão ser
resolvidos em espaços coletivos.
O
seminário aconteceu nos dias 13, 14 e 15 de junho, no Hotel Oceania em
Ingleses, Florianópolis e foi totalmente transmitido pela Internet, via Portal
Desacato e site do Sindprevs/SC. A transmissão ao vivo e o acompanhamento
através do facebook e twitter do Portal permitiram que entre 1mil e 3mil
pessoas acompanhassem o evento em todo país, principalmente nos estados de
Santa Catarina e Rio de Janeiro. A transmissão dos eventos pela Internet já é
uma rotina nos eventos do Sindprevs/SC como forma de ampliar o alcance de
informações fundamentais para os trabalhadores de sua base e de outras
categorias.
* Por Rosangela Bion de Assis ?jornalista no Sindprevs/SC