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Seis questões sobre a urgência da democratização da comunicação
Há 13 anos a Editora
Expressão Popular vem contribuindo para a batalha das ideias e para o
fortalecimento da cultura socialista em nossa sociedade. Nossa contribuição só
foi possível por contarmos com a solidariedade e o compromisso de mais de 300
companheiros e companheiras que se juntaram a nós e fizeram/fazem parte deste
processo através da cessão de direitos autorais, de trabalhos de revisão,
editoração, diagramação, divulgação etc. Seguimos firmes nesta batalha e
estamos buscando travá-la cada vez co mais afinco e em mais frentes. Neste
sentido, estamos inaugurando em nosso site a seção "Batalha das ideias", na
qual publicaremos textos de intervenção e de combate, com vistas a fortalecer a
cultura socialista em seu mais amplo espectro. Primaremos por conteúdos que
estejam para além tanto das discussões do que Antonio Gramsci bem definiu como "pequena política" quanto dos debates estritamente acadêmicos. O intuito desta
iniciativa é apresentar de modo mais dinâmico temas que contribuam para uma
melhor compreensão da nossa sociedade hoje com vistas a transformá-la, através
de textos que recuperem os aspectos atuais do pensamento clássico da classe
trabalhadora.
Retomo e amplio aqui seis pontos da entrevista que dei à jornalista Najla Passos, publicada pela revista Mídia com Democracia, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em janeiro de 2013. As questões se tornam ainda mais oportunas neste momento em que se intensificam duas importantes campanhas de entidades da sociedade civil que lutam por um sistema de comunicação democrático no Brasil: Para expressar a liberdade, que defende uma nova e abrangente lei geral de comunicações; e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações, cuja finalidade é regulamentar os artigos da Constituição de 1988 que impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa e estabelecem princípios para a radiodifusão sob concessão pública (rádio e televisão).
1. Por que a luta pela
democratização da comunicação é uma necessidade urgente da sociedade
brasileira?
A democratização do sistema
de comunicação é uma exigência incontornável e inadiável diante da absurda
concentração monopólica da mídia em mãos de poucos grupos privados e dinastias
familiares. A legislação de radiodifusão brasileira continua sendo uma das mais
anacrônicas da América Latina. Até hoje, não foram regulamentados os artigos
220 e 221 da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, que,
respectivamente, impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de
massa (art. 220, § 5º) e asseguram preferência, na produção e programação das
emissoras de rádio e televisão, a ?finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas?, além da "promoção da cultura nacional e regional e
estímulo à produção independente que objetive sua divulgação" (art. 221, I e II).
No caso da radiodifusão sob concessão pública, torna-se essencial uma regulação
capaz de estabelecer os requisitos de interesse social para que as empresas
concessionárias de rádio e televisão cumpram adequadamente suas atribuições de
informar, esclarecer e entreter. São urgentes mecanismos legais para coibir a
concentração e a oligopolização, além de assegurar lisura e transparência nos
mecanismos de concessão de outorgas de canais.
2. Qual tem sido a ação
do Estado brasileiro no setor estratégico de comunicação?
O imobilismo dos
sucessivos governos chega a ser alarmante. As políticas públicas de
comunicação, quando existem, são absolutamente tímidas, limitadas, fragmentadas
e desencontradas. Não há uma visão estratégica, por parte do poder público, sobre
o estratégico campo da comunicação de massa. Isso é grave porque as políticas
públicas são indispensáveis para a afirmação do pluralismo, como também para
definir o que deve ser público e o que pode ser privado, resguardando o
interesse coletivo frente às ambições particulares.
3. Quais as
consequências deste imobilismo por parte do poder público?
As consequências são
graves. A concentração da mídia não para de acentuar-se. É aguda a concentração
na televisão aberta. De acordo com levantamento do projeto Os Donos da Mídia,
seis redes privadas (Globo, SBT, Record, Band, Rede TV e CNT) dominam o mercado
de televisão no Brasil. Essas redes privadas controlam, em conjunto, 138 dos
668 veículos existentes (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva.
A Globo, além de metade da audiência, segue com ampla supremacia na captação de
verbas publicitárias e patrocínios. De maneira geral, tem-se a percepção de que
os governos se omitem em relação a esse grave problema por receio de contrariar
os megagrupos que controlam o setor. Se esse receio não existe, por que nada se
faz? Persiste o coronelismo eletrônico (concessões diretas ou indiretas de
licenças de rádio e televisão a parlamentares e políticos profissionais). Até
quando vamos testemunhar o fechamento de rádios comunitárias, com a apreensão,
autorizada pela Anatel ou por mandados judiciais, de equipamentos pela Polícia
Federal e o indiciamento dos responsáveis com base em dispositivos dos arcaicos
Código Brasileiro de Telecomunicações (1962) e Lei Geral de Telecomunicações
(1997)?
4. Na América Latina, o
quadro parece bem diferente do brasileiro, pois governos progressistas têm
tomado medidas importantes para atacar os monopólios e democratizar a
comunicação em seus países. Quais as mais relevantes?
A defesa do direito
social e humano à comunicação constitui um relevante avanço de perspectiva em
países latino-americanos com governos progressistas. A participação protagônica
do Estado nas questões comunicacionais é ponto consensual. Durante 30 anos, o
neoliberalismo tentou nos convencer de que o mercado seria capaz de distribuir
informações e conhecimentos de maneira equânime. Um engodo, já que o mercado é
elitista e está estratificado, o que marginaliza os setores populares de
maneira dramática. Então, numa região marcada por desequilíbrios e profundas
desigualdades, o Estado precisa intervir para garantir a diversidade cultural,
a soberania nacional e o acesso e o usufruto social das tecnologias. Desde a
última década, a comunicação ingressou nas agendas públicas como um dos temas
prioritários. Da atitude de comprometimento assumida por presidentes progressistas,
como Cristina Kirchner, Rafael Correa, o saudoso Hugo Chávez e Evo Morales,
resultaram legislações antimonopólicas, como, por exemplo, a Lei de Serviços de
Comunicação Audiovisual (a chamada Ley de Medios), a Lei Orgânica de
Comunicação do Equador, a Lei de Radiodifusão Comunitária do Uruguai e a Lei de
Comunicação Popular da Venezuela. São leis avançadas e inclusivas, que renovam
marcos regulatórios para a outorga de canais de rádio e televisão, apoiam meios
alternativos e comunitários, fomentam o audiovisual independente e a integração
cultural em bases cooperativas. Em suma, invertem, beneficamente, as
prioridades em favor da liberdade de expressão e da cidadania, desfazendo
privilégios e discriminações acumulados ao longo de décadas pelo capital
privado.
5. O descompasso entre o
Brasil e países vizinhos fica mais evidente...
O descompasso é
gritante. Basta olharmos para os países vizinhos e verificarmos como o nosso
país ficou para trás em termos de providências governamentais em prol da diversidade
informativa e cultural. Os governos daqueles países não retrocedem, mesmo
diante das sórdidas campanhas opositoras movidas por grupos monopólicos de
mídia e elites reacionárias cujas vantagens e conveniências estão sendo
afetadas pelas medidas democratizadoras. No Brasil, a menos de um ano e meio do
término do mandato de Dilma Rousseff, vai se reduzindo muito a expectativa de
que a presidenta rompa com a inércia de seus antecessores e demonstre vontade
política para promover mudanças significativas no atual sistema de comunicação,
a partir de consultas e discussões com os setores da sociedade civil
envolvidos. Se isso acontecer, a era Lula completará 16 anos de convivência com
a concentração monopólica da mídia e suas sérias consequências.
6. Qual o papel dos
movimentos que lutam pela democratização da comunicação, neste cenário?
Não é por falta de
diagnósticos e proposições consequentes que não se renova o sistema de mídia do
Brasil. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em
dezembro de 2009 com a expressiva participação de delegados escolhidos por
entidades da sociedade civil, pelo empresariado e pelo próprio governo, foi um
marco histórico em termos de esclarecimento e discussão pública das questões
comunicacionais, tendo sido precedida por uma série de conferências estaduais e
municipais. A Confecom definiu os temas prioritários que devem ser enfrentados
pelo poder público para a democratização da comunicação no país. E, no entanto,
três anos e meio depois, a imensa maioria das 633 proposições da Conferência
não foi implementada.
Nos últimos meses, vem
crescendo a mobilização de entidades da sociedade civil em torno de duas
iniciativas convergentes na luta pela democratização da comunicação no Brasil:
a campanha ?Para expressar a liberdade? (http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/)
e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações (http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/index.php/2013-04-30-15-58-11).
São propostas fundamentais que têm como pressuposto a necessidade de se pôr fim
à concentração monopólica da mídia. Visam esclarecer, sensibilizar e mobilizar
a sociedade civil para a importância de construirmos um sistema de comunicação
descentralizado e plural, com equilíbrio entre os três setores envolvidos: o
estatal/público, o privado lucrativo e o social/comunitário não lucrativo.
Essas iniciativas merecem o mais amplo respaldo popular.
* Desenvolvo questões
abordadas neste artigo nos meus livros Mídia, poder e
contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação,em
parceria com Ignacio Ramonet e Pascual Serrano (São Paulo, Boitempo/Faperj,
2013), e Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e
democratização da comunicação (Rio de Janeiro, Mauad/Faperj, 2011).
** Dênis de Moraes é
doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1993) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO,
Argentina, 2005). Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos
Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do CNPq e
Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Autor de mais de 25 livros publicados no
Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba. Foi contemplado em 2010 com o
Premio Internacional de Ensayo Pensar a Contracorriente pelo Ministerio de
Cultura de Cuba e pelo Instituto Cubano del Libro.
Fonte: Editora Expressão Popular