BLOG SINDASPI-SC
Uma breve história da luta da grande mídia contra os interesses nacionais
Em 1957, uma CPI da
Câmara dos Deputados, comprovou que "O Estado de São Paulo", "O Globo" e "Correio da Manhã" foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem
campanhas contra a nacionalização do petróleo. Em momentos cruciais para o país
se inclinaram para o golpismo e a traição aos interesses nacionais: contra
Getúlio, a Petrobrás, JK, contra Jango, apoiando a ditadura, Collor, FHC e suas
privatizações, atacando Lula. Por Leandro Severo.
Por Leandro Severo (*)
Em 1941, enquanto milhões de homens e mulheres derramavam seu
sangue pela liberdade nos campos da Europa e da União Soviética, a elite dos
círculos financeiros dos Estados Unidos já traçava seus planos para o
pós-guerra. Como afirmou Nelson Rockefeller, filho do magnata do petróleo John
D. Rockefeller, em memorando que apresentava sua visão ao presidente Roosevelt: "Independente do resultado da guerra, com uma vitória alemã ou aliada, os
Estados Unidos devem proteger sua posição internacional através do uso de meios
econômicos que sejam competitivamente eficazes..." (COLBY, p.127, 1998). Seu
objetivo: o domínio do comércio mundial, através da ocupação dos mercados e da
posse das principais fontes de matéria-prima. Anos mais tarde o ex-secretário
de imprensa do Congresso americano, Gerald Colby, sentenciava sobre
Rockefeller: "no esforço para extrair os recursos mais estratégicos da América
Latina com menores custos, ele não poupava meios" (COLBY, p.181, 1998).
Neste mesmo ano, Henry Luce, editor e proprietário de um complexo de
comunicações que tinha entre seus títulos as revistas Time, Life e Fortune,
convocou os norte-americanos a "aceitar de todo o coração nosso dever e
oportunidade, como a nação mais poderosa do mundo, o pleno impacto de nossa
influência para objetivos que consideremos convenientes e por meios que
julguemos apropriados" (SCHILLER, p.11, 1976). Ele percebeu, com clareza, que a
união do poder econômico com o controle da informação seria a questão central
para a formação da opinião pública, a nova essência do poder nacional e
internacional.
Evidentemente para que os planos de ocupação econômica pelas corporações
americanas fossem alcançados havia uma batalha a ser vencida: Como usurpar a
independência de nações que lutaram por seus direitos? Como justificar uma
postura imperialista do país que realizou a primeira insurreição anticolonial?
A resposta a esta pergunta foi dada com rigor pelo historiador Herbert
Schiller: "Existe um poderoso sistema de comunicações para assegurar nas áreas
penetradas, não uma submissão rancorosa, mas sim uma lealdade de braços
abertos, identificando a presença americana com a liberdade", liberdade de
comércio, liberdade de palavra e liberdade de empresa. Em suma, a florescente
cadeia dominante da economia e das finanças americanas utiliza os meios de
comunicação para sua defesa e entrincheiramento onde quer que já esteja
instalada e para sua expansão até lugares onde espera tornar-se ativa. (SCHILLER, p.13, 1976).
Foi exatamente ao que seu setor de comunicações se dedicou. Estava com as
costas quentes, já que as agências de publicidade americanas cuidavam das
marcas destinadas a substituir as concorrentes europeias arrasadas pela guerra.
O setor industrial dos EUA havia alcançado um vertiginoso aumento de 450% em seu
lucro líquido no período 1940-1945, turbinado pelos contratos de guerra e
subsídios governamentais. Com esta plataforma invadiram a América Latina e o
mundo.
Com o suporte do coordenador de Assuntos Interamericanos (CIIA), Nelson
Rockefeller, mais de mil e duzentos donos de jornais latinos recebiam, de forma
subsidiada, toneladas de papel de imprensa, transportada por navios americanos.
Além disso, milhões de dólares em anúncios publicitários das maiores
corporações eram seletivamente distribuídos. É claro que o papel e a
publicidade não vinham sozinhos, estavam acompanhados de uma verdadeira
enxurrada de matérias, reportagens, entrevistas e releases preparadas pela
divisão de imprensa do Departamento de Estado dos EUA.
A vontade de conquistar as novas "colônias" e ocupar novos territórios como
haviam feito no século anterior, no velho oeste, não tinha limites. No Brasil,
circulava desde 1942, a revista Seleções (do Reader's Digest), trazida por
Robert Lund, de Nova York. A revista, bem como outras publicações estrangeiras,
pagavam os devidos direitos aduaneiros por se tratarem de produtos importados,
mas solicitou, e foi atendida pelo procurador da República, Temístocles
Cavalcânti, o direito de ser editada e distribuída no Brasil, com o argumento
de ser uma revista sem implicações políticas e limitada a publicar conteúdos
culturais e científicos. Assim começou a tragédia.
Logo chegou o grupo Vision Inc., também de Nova York, com as revistas Dirigente
Industrial, Dirigente Rural, Dirigente Construtor e muitos outros títulos que
vinham repletos de anúncios das corporações industriais. Um fato bastante
ilustrativo foi o da revista brasileira Cruzeiro Internacional, concorrente da
Life International, que apesar de possuir grande circulação, nunca foi brindada
com anúncios, enquanto a concorrente americana anunciava produtos que, muitas
vezes, nem sequer estavam à venda no Brasil.
Ficava claro que os critérios até então estabelecidos para o mercado
publicitário, como tempo de circulação efetiva, eficiência de mensagem e
comprovação de tiragem, de nada adiantavam. O que estava em jogo era muito
maior.
Um papel importantíssimo na ocupação dos novos mercados foi desempenhado pelas
agências de publicidade americanas. McCann-Erickson e J. Warter Thompson eram
as principais e tinham seu trabalho coordenado diretamente pelo Departamento de
Estado. Para se ter uma ideia a McCann-Erickson , nos anos 60, possuía 70
escritórios e empregava 4619 pessoas, em 37 países, já a J. Warter Thompson
tinha 1110 funcionários, somente na sede de Londres. Os Estados Unidos tinham
46 agências atuando no exterior, com 382 filiais. Destas 21 agências em
sociedade com britânicos, 20 com alemães ocidentais e 12 com franceses. No
Brasil atuavam 15 agências, todas elas com instruções absolutamente claras de
quem patrocinar.
No início dos anos 50, Henry Luce, do grupo Time-Life, já estava luxuosamente
instalado em sua nova sede de 70 andares na área mais nobre de Manhattan,
negócio imobiliário que fechou com Nelson Rockefeller e seu amigo Adolf Berle,
embaixador americano no Brasil na época do primeiro golpe contra o presidente
Getúlio Vargas. Luce mantinha fortes relações com os irmãos Cesar e Victor
Civita, ítalo-americanos nascidos em Nova Iorque. Cesar foi para a Argentina em
1941 onde montou a Editorial Abril, como representante da companhia Walt
Disney, já Victor, em 1950, chega ao Brasil e organiza a Editora Abril. Neste
mesmo período seu filho, Roberto Civita, faz um estágio de um ano e meio na
revista Time, sob a tutela de Luce e logo retorna para ajudar o pai.
Poucos anos depois, o mercado editorial brasileiro está plenamente ocupado por
centenas de publicações que cantavam em prosa e verso o american way of life. Somente a Abril,
financiada amplamente pelas grandes empresas americanas, edita diversas
revistas: Claudia, Quatro Rodas, Capricho, Intervalo, Manequim, Transporte
Moderno, Máquinas e Metais, Química e Derivados, Contigo, Noiva, Mickey, Pato
Donald, Zé Carioca, Almanaque Tio Patinhas, a Bíblia Mais Bela do Mundo, além
de diversos livros escolares.
Em 1957, uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados,
comprova que O Estado de São Paulo, O Globo e Correio da Manhã foram
remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a
nacionalização do petróleo.
Em 1962, o grupo Time-Life encontra seu parceiro ideal para entrar de vez no
principal ramo das comunicações, a Televisão. A recém-fundada TV Globo, de
Roberto Marinho. Era uma estranha sociedade. O capital da Rede Globo era de 600
milhões de cruzeiros, pouco mais de 200 mil dólares, ao câmbio da época. O
aporte dado "por empréstimo" pela Time-Life era de seis milhões de dólares e a
empresa tinha um capital dez mil vezes maior.
Como denunciou o deputado João Calmon, presidente da Abert (Associação
Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão): "Trata-se de uma competição
irresistível, porque além de receber oito bilhões de cruzeiros em doze meses,
uma média de 700 milhões por mês, a TV Globo recebe do Grupo Time-Life três
filmes de longa metragem por dia" por dia, repito... Só um "package", um
pacote de três filmes diários durante o ano todo, custa na melhor das
hipóteses, dois milhões de dólares. (HERZ, p.220, 2009).
O Brasil e o mundo estão em efervescência. A tensão é crescente com revoluções
vitoriosas na China e em Cuba. A luta pela independência e soberania das nações
cresce em todos continentes e os EUA colocam em marcha golpes militares por
todo o planeta. A Guerra Fria está em um ponto agudo.
É nesse quadro que a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Congresso dos EUA, em
abril de 1964, no relatório ?Winning
the Cold War. The O.S. Ideological Offensive? define:
"Por muitos anos os poderes militar e econômico, utilizados separadamente ou em
conjunto, serviram de pilares da diplomacia. Atualmente ainda desempenham esta
função, mas o recente aumento da influência das massas populares sobre os
governos, associado a uma maior consciência por parte dos líderes no que se
refere às aspirações do povo, devido às revoluções concomitantes do século XX,
criou uma nova dimensão para as operações de política externa. Certos objetivos
dessa política podem ser colimados tratando-se diretamente com o povo dos
países estrangeiros, em vez de tratar com seus governos. Através do uso de
modernos instrumentos e técnicas de comunicação, pode-se hoje em dia atingir
grupos numerosos ou influentes nas populações nacionais" para informá-los,
influenciar-lhes as atitudes e, às vezes, talvez, até mesmo motivá-los para uma
determinada linha de ação. Esses grupos, por sua vez, são capazes de exercer
pressões notáveis e até mesmo decisivas sobre seus governos (SCHILLER, p.23,
1976).
A ordem estava dada: "informar", influenciar e motivar. A rede está montada, o
financiamento definido.
O jornalista e grande nacionalista, Genival Rabelo, exatamente nesta hora,
denuncia no jornal Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro: Há, por trás do
grupo (Abril), recursos econômicos de que não dispõem as editoras nacionais,
porém muito mais importante do que isso está o apoio maciço que a indústria e
as agências de publicidade americanas darão ao próximo lançamento do Sr. Victor
Civita, a exemplo do que já fizeram com as suas 18 publicações em circulação,
bem como as revistas do grupo norte-americano Vision Inc. (RABELO, p.38, 1966)
Mas é necessário mais. É preciso enfraquecer, calar e quebrar tudo que seja
contrário aos interesses dos monopólios, tudo que possa prejudicar os
interesses das corporações. A General Eletric, General Motors, Ford, Standard
Oil, DuPont, IBM, Dow Chemical, Monsanto, Motorola, Xerox, Jonhson &
Jonhson e seus bancos J. P. Morgan, Citibank, Chase Manhattan precisam estar
seguros para praticar sua concorrência desleal, para remeter lucros sem
controle, para desnacionalizar as riquezas do país se apossando das reservas
minerais.
Várias são as declarações, nesta época, que deixam claro qual o caminho traçado
pelos EUA. Nas palavras de Robert Sarnoff, presidente da RCA - Radio
Corporation of America - a informação se tornará um artigo de primeira
necessidade equivalente a energia no mundo econômico e haverá de funcionar como
uma forma de moeda no comércio mundial, convertível em bens e serviços em toda
parte? (SCHILLER, p.18, 1976). Já a Comissão Federal de Comunicações (FCC), em
informe conjunto dos Ministérios do Exterior, Justiça e Defesa, afirmava: "as
telecomunicações evoluíram de suporte essencial de nossas atividades
internacionais para ser também um instrumento de política externa" (SCHILLER,
p.24, 1976).
É esclarecedor o pensamento do delegado dos Estados Unidos nas Nações Unidas,
vice-ministro das Relações Exteriores, George W. Ball, em pronunciamento na
Associação Comercial de Nova Iorque:
"Somente nos últimos vinte anos é que a empresa multinacional conseguiu
plenamente seus direitos. Atualmente, os limites entre comércio e indústria
nacionais e estrangeiros já não são muito claros em muitas empresas. Poucas
coisas de maior esperança para o futuro do que a crescente determinação do
empresariado americano de não mais considerar fronteiras nacionais como
demarcação do horizonte de sua atividade empresarial" (SCHILLER, p.27, 1976).
A ação desencadeada pelos interesses externos já havia produzido a falência de
muitos órgãos de imprensa nacionais e, por outro lado, despertado a consciência
de muitos brasileiros de como os monopólios utilizam seu poder de pressão e de
chantagem. Em 1963, o publicitário e jornalista Marcus Pereira afirmava em
debate na TV Tupi, em São Paulo: Em última análise, a questão envolve a velha
e romântica tese da liberdade de imprensa, tão velha como a própria imprensa.
Acontece que a imprensa precisa sobreviver, e, para isso, depende do
anunciante. Quando esse anunciante é anônimo, pequeno e disperso não pode
exercer pressão, por razões óbvias. É o caso das seções de classificados dos
jornais. Mas poucos jornais têm classificados em quantidade expressiva. A
maioria dos jornais e a totalidade das revistas vivem da publicidade comercial
e industrial, dos chamados grandes anunciantes. Acho que posso parar por aqui,
porque até para os menos afoitos já adivinharam a conclusão (RABELO, p.56,
1966).
Não é difícil perceber o quanto a submissão aos interesses econômicos
estrangeiros levou a dita "grande mídia" brasileira a se afastar da nação. A se
tornar, ao longo dos anos, em uma peça chave da política do Imperialismo. Em
praticamente todos os principais momentos da vida nacional se inclinaram para o
golpismo e a traição. Já no primeiro golpe contra Getúlio, depois, contra sua
eleição, contra sua posse, contra a criação da Petrobrás, contra a eleição de
Juscelino, contra João Goulart, contra as reformas de base, apoiando a
Ditadura, apoiando a política econômica de Collor, apoiando Fernando Henrique e
suas privatizações, atacando Lula.
Hoje, ela novamente tem lado: o das concessões de estradas, portos e
aeroportos, o dos leilões de privatização do petróleo e da necessidade da
elevação das taxas de juros, do controle do déficit público com evidentes
restrições aos investimentos governamentais, ou seja, da aceitação de um
neoliberalismo tardio.
Porque atuam desta forma? Genival Rabelo deu a resposta: Um industrial
inteligente desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro me fez outro dia,
esta observação, em forma de desafio: Dou-lhe um doce, se nos últimos cinco
anos você pegar uma edição de O Globo que não estampe na primeira página uma
notícia qualquer da vida americana, dos feitos americanos, da indústria
americana, do desenvolvimento científico americano, das vitórias e bombardeios
americanos. A coisa é tão ostensiva que, muita vez, sem ter o que publicar
sobre os Estados Unidos na primeira página, estando o espaço reservado para
esse fim, o secretário do jornal abre manchete para a volta às aulas na cidade
de Tampa, Miami, Los Angeles, Chicago ou Nova Iorque. Você não encontra a volta
às aulas em Paris, Nice, Marselha, ou outra cidade qualquer da França, na
primeira pagina de O Globo, porque, de fato, isso não interessa a ninguém.
Logo, não pode deixar de haver dólar por trás de tudo isso... Outro amigo
presente, no momento, e sendo homem de publicidade concluiu, deslumbrado com
seu próprio achado: "É por isso que O Globo não aceita anúncio para a primeira
página. Ela já está vendida. É isso. É isso!". "E muito bem vendida, meu caro" arrematou o industrial "A peso de ouro". (RABELO, p.258, 1966).
(*) Delegado à Conferência Nacional de
Comunicação, Secretário Municipal de Comunicação em São Carlos entre 2007 e
2012 e membro do Partido Pátria Livre.
Referências:
COLBY, G; DENNETT, C. Seja feita a vossa
vontade: a conquista da Amazônia, Nelson Rockefeller e o evangelismo na idade
do Petróleo. Tradução: Jamari França. Rio de Janeiro: Record, 1998.
HERZ, D. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Dom Quixote, 2009.
Coleção Poder, Mídia e Direitos Humanos.
RABELO, G. O Capital Estrangeiro na Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1966.
SCHILLER, H. I. O Império norte-americano das comunicações. Tradução: Tereza
Lúcia Halliday Petrópolis: Vozes, 1976.