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20/11/2015 | Movimentos Sociais

Dia da consciência negra: sua necessidade reflexiva para todos os dias!

O dia de hoje, 20 de novembro, não merece ser compreendido como uma data a ser comemorada, aliás, não há muito que se comemorar!

 

Nosso Realismo Marginal Racial, já delineado em outra oportunidade, sombreado pelo pagamento dos financiamentos das campanhas eleitorais de muitos parlamentares com a redução da maioridade penal e com a aprovação de alteração do Estatuto do Desarmamento, renomeado de Estatuto de Controle de Armas de Fogo, projeta, em nosso horizonte, a criminalização em escala industrial da população negra e um aumento exponencial de seu o genocídio.

 

Por outro viés, a data marca a renovação e florescimento das forças ancestrais que impulsionam a luta e resistência por mudanças substanciais e significativas na sociedade brasileira com a lembrança da morte de Zumbi, líder do Quilombo de Palmares.

 

A “Tróia Negra”, como Nina Rodrigues nomeou outrora, concretiza a conquista do poder pela conscientização e união racial que abalam os alicerces de país explicitamente racista. Por isso, todas as revoltas, reuniões e conquistas de espaços que invertem a lógica racial e deslocam o negro brasileiro para a posição de protagonista foram e são combatidas com vigor e de modo sistematizado, pois a permanência da estrutura e dos lugares racialmente determinados, transmitidos como herança quase nunca questionada, depende, sobretudo, da passividade introjetada pela política exterminante assimilacionista que impele grande parte da população negra a negar o racismo e seus instrumentos de dominação que estalam ainda em suas costas, mesmo que não reconhecidos ou sentidos.

 

A síndrome do escravo fiel, que em troca da tolerância aceita coisificar e diminuir seus iguais, não criticando o racismo que aflora sob seus olhos não significa integração, muito menos imunidade, a conta algum dia virá e o preço a pagar será bem alto.

 

O racismo esta na base de todo ocidente, podendo ser encontrado no erroneamente considerado “berço da civilização humana e da Filosofia”, basta atentarmos para a analogia cromática feita por Sócrates, em sua fábula dos três homens, contada por Lilia Moritz Schwarcz:

 

“Dizia o filósofo que a humanidade teria sido dividida a partir de três tipos de homens: os homens de bronze, que por causa do vil metal teriam surgido para trabalhar; os homens de prata, que não teriam sido feitos para trabalhar (porque a prata amassa, dobra e quebra), mas sim para legislar; e por fim, os homens de ouro, criados, como vocês podem imaginar, para governar.” 

A reflexão e combate ao racismo, ideologia aterritorial e atemporal que se apresenta multifacetado e capilarizado, proposição basilar desta data, nos remete à história ocultada que transforma os exploradores em exterminadores e a imagem do país das maravilhas raciais no que realmente é: um país construído e enriquecido por mãos negras que, através de uma abolição planejada como ato de “bondade”, institucionalizou o racismo por atos comissivos e omissivos em prol da manutenção de uma sociedade racialmente estruturada, organizada, excludente, desigual e genocida.

 

A existência da humanidade e o modo como conhecemos o mundo hoje, decorrem da manipulação das teorias raciais (re)legitimantes da  inferiorização, desumanização e sequestro dos negros, do furto de sua cultura, saber e riquezas que erigiram a Europa e os EUA como centro do mundo e “proprietário” das margens.

 

Em verdade, o racismo somente se tornou problemático e preocupante, quando a ideologia racial foi manipulada por Adolf Hitler para promover a segregação e o genocídio de uma parcela da população branca. O segundo “apartheid criminológico” delineado por Eugenio Raúl Zaffaroni, nos mostra que a “solução” primeva para o enfrentamento do racismo (e seus derivados, nazismo e fascismo), sua criminalização no cenário internacional, somente se iniciou quando a raça branca se viu ameaçada.

 

Do nosso local de fala, do sul de nossa marginalidade, região chave para o projeto político nacional genocida do negro via branqueamento, ou melhor, desafricanização, pois representava, por questões climáticas e geográficas, um pedacinho da Europa, a institucionalização do racismo pelo Estado brasileiro importou em financiamento e doação de terras para os imigrantes centrais, portanto, “superiores e civilizados”.

 

Thomas E. Skidmore, citando um artigo de jornal de meados do século XIX, explicita, de forma inequívoca, o temor da raça/classe branca dominante brasileira, ao escrever:

 

“Não há perigo de que o problema negro venha a surgir no Brasil. Antes que pudesse surgir seria logo resolvido pelo amor. A miscigenação roubou o elemento negro de sua importância numérica, diluindo-o na população branca. […] Como nos asseguram os etnógrafos, e como pode ser confirmado à primeira vista, a mistura de raças é facilitada pela prevalência do elemento superior. Por isso mesmo, mais cedo ou mais tarde, ela vai eliminar a raça negra daqui. É óbvio que isso já começa a ocorrer. Quando a imigração, que julgo ser a primeira necessidade do Brasil, aumentar, irá, pela inevitável mistura, acelerar o processo de seleção.”

 

A Lei da Terra (Lei nº 601/1850), que garantiu a propriedade das terras não ocupadas ao Estado, não era apenas um instrumento de controle da propriedade de terras, ela cumpria papel fundamental para o progresso e desenvolvimento racial do país, sendo concebida como um projeto embrionário de branqueamento da nação, pois, em seu art. 18 estabelecia:

 

“O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem emprego logo que desembarcarem.” [sic]

 

Falar de consciência negra significa não apenas colocar luz sobre a estrutura racista e seus instrumentos de dominação, em maior ou menor grau de identificação, é promover, de modo ininterrupto e cotidiano, a (des/re)construção do próprio negro, seu reconhecimento como afrodescendente, origem que une e possibilita um sentimento familiar com outros negros na primeira troca de olhares, independentemente de origem  (o feminismo negro sabe melhor do que ninguém a força e veracidade da sororidade), sentir a mesma dor, o peso da estrutura racista e empoderamento, um processo violento e doloroso como estabeleceram Frantz Fanon e Neusa Santos Souza.

 

A negação completa do direito à identidade, decorrente de uma visão decolonial dos Direitos Humanos, é conduzida à ancestralidade comum dos negros brasileiros e seus descendentes que se resume à origem africana (África-continente), pois suas árvores genealógicas são pequenas e incompletas, resultando no paradoxo do negro brasileiro: trazer à flor da pela o estigma do escravizado e nos sobrenomes, religião, padrão de estética, etc., a marca do escravizador.

 

De outra face, é procurar a compreensão da população branca sobre a complexidade do tema normalmente negado, ignorado ou discutido com ímpar simploriedade, escamoteado com discursos meritocráticos que impulsionam a individualização e o processo de edificação do “Outro” para quem toda negação é permitida, inclusive a existencial. O entendimento das questões raciais se orienta, assim, no reconhecimento da branquitude, o presente de um mundo (construído) branco ao branco, um porto seguro, um “passaporte vip” formado pela exclusividade, hegemonia, benefícios e privilégios, materiais ou simbólicos, conforme ensina Lia Vainer Schucman.

 

Os efeitos diretos de praticamente quatro séculos de cinco, cuja concretude não se pode ignorar, bem como a persistência e funcionalidade do nosso racismo que hoje prescinde de qualquer legitimação, mantendo-se pela força de sua história, hegemonia e dominação proporcionada pela branquitude que não perde, sequer, uma oportunidade de lembrar aos negros seu lugar estabelecido e sua condição de quase-gente.

 

Com Vera Malaguti, refazemos nossas pegadas, utilizando o “paradigma conjectural” defendido por Sidney Chalhoub, para observar os “detalhes” que passam quase totalmente despercebidos para recompor o pretérito, apagando a ideia de que somos hoje menos selvagens pela “certeza do progresso” desde a abolição, imagem “angelical e sádica”, que “[…] supõe ingenuidade e cegueira diante de tanta injustiça social”, entender o presente e projetar um futuro incerto e sombrio que recai sobre uma das maiores populações negra do mundo.

 

 

Leia o artigo completo em: Empório do direito

Artigo: Luciano Góes