BLOG SINDASPI-SC
O dia 20 em Florianópolis
As ruas
de Florianópolis, no dia de ontem (20 de junho), expressaram a luta de
classe na sua forma mais acabada. Desde as quatro horas da tarde já se percebia
um certo frisson nas lojas do centro, onde os trabalhadores do comércio se
preparavam para a marcha. Coisa nunca vista, uma vez que, passeata, na
conservadora Florianópolis, sempre foi, para o senso comum, coisa de
"baderneiro". A partir das cinco e meia da tarde começaram a chegar
as vagas de pessoas. Os tradicionais militantes das causas sociais e sindicais,
e os estudantes. Depois, começaram a aparecer aqueles que nunca vieram. Vinham
com as caras pintadas, com tinta verde e amarela, o que sugeria que havia
alguma organização por trás, uma vez que a tinta parecia a mesma. Outros
carregavam faixas de plástico, bem arranjadas, feitas em série, o que também
mostrava a organização. Havia gente espalhada pela entrada do terminal
distribuindo camisetas, onde se lia o mote da classe média: "abaixo a
corrupção". Alguma coisa muito orquestrada se fazia por ali. É certo que
vieram também aqueles cidadãos indignados com suas causas particulares, com
cartazes singelamente feitos à mão, que queriam expressar sua indignação, mas o
clima que se armava era fruto de estudada organização.
Os
manifestantes tradicionais, que desde sempre estiveram na rua reivindicando o
direitos dos trabalhadores, fazendo as lutas coletivas, tentaram se articular
junto ao carro de som. Mas, o vagalhão de gente que assomava, vinha de maneira
agressiva, disposto a quebrar todas as bandeiras. O coro de "sem
partido" e "enfia as bandeiras no cú", era puxado por alguns
homens estrategicamente colocados no meio da massa. Aos poucos, a maioria foi
sendo formada por uma multidão de gente que gritava, hostilizando os militantes
do passe livre e os articulados em partidos e sindicatos, exigindo que eles
baixassem as bandeiras. Carregando faixas e cartazes que pediam democracia, os
manifestantes - paradoxalmente - impediam o grupo de se expressar.
Sem
acordo para baixar as bandeiras, uma vez que cada um ali estava se manifestando
do jeito que me lhe aprazia, os militantes da luta social e popular organizada
se separaram do grupo que os hostilizava. Ficaram em frente ao antigo terminal
de ônibus esperando o início da marcha. De novo, um grupo de rapazes fazia a
organização dos "apolíticos". Circulava pelo meio da multidão
chamando os "sem partido" para o outro lado. "Quem não tem
partido é por aqui". E a massa acorria, entre milhares de flashes que se
consumavam para a devida postagem no facebook.
Quando
deu sete horas da noite, o povo decidiu sair em passeata na direção da ponte. A
polícia fazia um cordão de proteção, impávida. Tudo era festa. Naquela hora, o
grupo dos militantes tradicionalmente organizados, sindicatos, partidos e
movimento popular, deu início à marcha, caminhando em direção a ponte que liga
a ilha ao continente. Nenhuma reação da polícia. A massa dos "sem
partido" seguiu atrás, aos gritos de "vamos cruzar a ponte". Um
pequeno grupo de militantes, com as bandeiras tremulando, ficou parado no meio
fio. Foram praticamente acossados pela multidão que os cercava e gritava, a
exaustão: "sem partido, sem partido". Como eles não baixavam a
bandeira, começavam as agressões: empurrões, xingamentos, provocações. Uma
violenta expressão da intolerância. Perguntei a um pequeno grupo de moças que
gritava histericamente.
- Por que
vocês são contra os partidos?
- Ah? É
porque é sem partido!
- Sim,
mas por que?
- É sem
partido e pronto. Não fazemos política. Tu tem partido? - me encararam,
agressivamente.
Assim,
gritavam sem partido porque era sem partido. Tautologia. E diziam não fazer
política, fazendo.
A tensão
seguiu por todo o percurso, e os manifestantes com bandeiras não as baixaram,
mas eram minoria. Entre os organizados "sem partido", corriam as
faixas, camisetas e capas de chuva. Havia ainda outro grupo perdido, sem saber
exatamente onde se colocar. Caminharam juntos, num roldão, cada um
aparentemente sozinho com suas demandas particulares. Prevaleceu o discurso
político do "apolítico". Ou seja, a luta de classe se mostrou na rua,
claramente, sem véus. Só que dessa vez, os que sempre estiveram na rua,
enfrentando a polícia e o poder, tinham seus adversários bem ali, junto a eles,
gritando-lhes na cara. E a polícia, sempre hostil, "protegendo" os
"sem partido". A fala do coronel Nazareno, comandante geral do
Polícia Militar, não podia ser mais explícita. Ao ser perguntado por que a
polícia estava fazendo a proteção em vez de garantir o direito de ir e vir dos
carros que estavam trancados, sem poder passar a ponte, ele disse: " Esse
não é um movimento particular, de trabalhadores, de sindicatos. É um movimento
da sociedade". Aí está.
A
alienação segue sendo o melhor instrumento
O grito
das gentes, exigindo que os partidos políticos não se manifestassem não é uma
coisa gratuita, inventada pela direita que decidiu entrar de cabeça no
movimento. Não. Foi apenas a potencialização de um sentimento que os próprios
partidos conhecidos como esquerda - em sua grande parte - permitiram que
brotasse. Desde há muito tempo que esses partidos desistiram do trabalho de
base, que foi tão importante para preparar a democratização do país depois de
tantos anos da violência da ditadura militar. O PT, que hoje está no governo,
também é em grande parte responsável por essa "bandeira" que se
mostrou na rua. Muito antes da chegada ao governo já havia diminuído o trabalho
na base e, ao assumir o governo, investiu muito mais na cooptação do que na
educação para a emancipação. Depois, negando-se a enveredar pelos caminhos de
uma transformação mais profunda, que atingisse a estrutura dos problemas,
igualmente mascarou os problemas, preferindo apostar numa perigosa bolha
de "desenvolvimento" sem politização.
No mundo
sindical e no movimento social também houve uma grande desaceleração da
formação política, muita gente aderiu a defesa das políticas do governo,
permitindo que as fronteiras do que se conhece como direita e esquerda fossem
ficando cada dia mais pálidas. Mesmo os partidos mais à esquerda, que
conseguiram permanecer críticos, não apostaram na formação e no trabalho de
base, não conseguiram se aproximar das gentes que passaram a viver a apoteose
do consumo. Não se prepararam para um debate qualificado. Qualquer
"esquerdinha" que viesse com críticas a esse modelo de crescimento e
de consumo era logo rechaçado como "os do contra".
Agora,
quando a bolha de crescimento começa a murchar, a boa e velha classe média
começa a se amedrontar. Os meios de comunicação de massa, que são os
ventríloquos do sistema, passaram a fermentar ainda mais esse medo e, numa
virada eficiente, começaram a capitalizar para a classe dominante as grandes
mobilizações que começaram a surgir pela diminuição da tarifa. Com a introdução
do também antigo discurso usado pela direita do "contra a corrupção",
a alienação passou a tecer sua teia. Quem não se lembra da lavagem cerebral do
"contra a corrupção e fora marajás" que levou Fernando Collor à
presidência do Brasil, em 1989? Foi igualzinho. De repente, do nada, do fundo
das Alagoas, surge um jovem político fazendo discurso contra a corrupção,
despolitizando o debate, tirando o foco dos grandes problemas estruturais do
Brasil. Era o bonitinho da elite, prometendo acabar com os corruptos.
Obviamente não o fez. Pelo contrário, foi deposto por corrupto. Mas essa
história parece nunca ter sido contada aos milhares de jovens que agrediam os
militantes que insistiam em carregar suas bandeiras.
E assim,
o que vai tomando conta das cabeças é de novo esse discurso vazio, raso, sem
sentido. Um "contra a corrupção" que se levanta contra uma ou outra
pessoa, particularizado e roto. Não há uma compreensão do que seja de fato a
corrupção real, a que enfraquece a soberania de um país. A que é cometida pelos
grandes bancos, pelos sistema financeiro, pela elite dominante. Então,
paga-se o preço do trabalho de formação que não é feito e da nossa incapacidade
de construir um partido revolucionário de verdade.
A luta de
classe não é só um passeio na chuva, com batalhas de palavras de ordem. Mas
isso é a expressão concreta das divergências sobre o tipo de sociedade na qual
grupos distintos querem viver. Esse confronto verbal - e em alguns momentos
físico - explícito na rua deve servir para que esquerda real se reorganize, com
muito trabalho e muito estudo. É hora então de os partidos, sindicatos e movimentos
populares organizados analisarem suas práticas, ajustarem suas bússolas,
recuperarem o trabalho na base. Os 10 anos de governo do PT,
(reconhecido como partido de esquerda), com seus "estranhos" aliados
( PC do B, PMDB, PSC e outros minúsculos, reconhecidamente conservadores)
amorteceram a luta, confundiram as gentes. Agora, a velha direita
arreganha os dentes e se prepara para o ataque. É hora de destruir a
"estrela da morte". O faremos?
Por Elaine Tavares