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Troca-troca de semente transgênica e a perda da diversidade genética
?Os pequenos agricultores deveriam ser alvos de uma
política que buscasse reduzir a dependência de insumos e ampliar as
perspectivas de melhor gerenciamento dos seus sistemas de produção, procurando
maior autonomia e menores custos?, lamenta.
?De um discurso pelo desenvolvimento
sustentável, vemos agora uma posição bastante conservadora, buscando agradar
multinacionais de sementes e interesses comerciais?, critica Fábio Dal Soglio, ao
comentar a reintrodução das sementes transgênicas no Programa
Troca-Troca de Sementes de Milho para a safra 2013-2014.
Para ele, a medida impede a autonomia dos agricultores e desconsidera os
argumentos ?apresentados ao governo do Rio Grande do Sul, que apontam evidentes
problemas ambientais e sociais, assim como problemas agronômicos, associados ao
uso de variedades transgênicas de milho?.
A
liberação do troca-troca de sementes transgênicas de milho impacta a produção
da agricultura familiar ao gerar ?dependência e incapacidade? de as comunidades
serem donas de suas sementes e gerenciar o ambiente de forma sustentável,
aponta o agrônomo. ?Se o estado pretende ser autossuficiente na produção de
milho, a estratégia deveria ampliar a autonomia dos pequenos agricultores e
investir em tecnologias produtivas e sustentáveis, que são o foco da agroecologia. Se todos os agricultores conseguissem
variedades adaptadas aos diferentes meios e condições de clima, se
apresentassem boa resistência aos problemas da lavoura e, além disso, se
tivessem bons rendimentos, teríamos muito mais milho do que precisamos, e
poderíamos até passar a exportar?, adverte em entrevista concedida à IHU On-Line por
e-mail.
Segundo
ele, o troca-troca de sementes transgênicas irá ampliar a ?perda de
diversidade genética nas populações de milho, o que implica em maior
dependência e risco, aumenta a possibilidade de seleção de pragas resistentes
ao Bacillus thuringiensis,
que é de onde foi retirado o gene que promoveria resistência das plantas de milho
ao ataque de lagartas, assim como a seleção de plantas espontâneas pelo uso de
determinados herbicidas?. E conclui: ?Os agricultores devem aumentar ainda mais
o uso de agrotóxicos, e muitos terão custos maiores, os quais não podem cobrir
com as baixas receitas que, muitas vezes, tiram da agricultura?.
Fábio Dal Soglio é graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, mestre em Fitotecnia pela mesma instituição, e doutor em
Fitopatologia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Tem
especialização em Melhoramento de Plantas pela Universide de Wageningen,
Holanda, e leciona na UFRGS. Foi presidente da Associação Brasileira de
Agroecologia de 2004 a 2007, e vice-presidente em 2008 e 2009. É membro da
Comissão editorial da ABA-Agroecologia, e entre 2006 e 2007 foi representante
da sociedade civil como especialista em agricultura familiar junto à Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança ? CTNBio.
Confira a entrevista.
IHU On-Line ? Em
que contexto e por quais razões o governo do Rio Grande do Sul liberou o
troca-troca de sementes transgênicas de milho para a safra 2013-2014?
Fábio Dal Soglio ? Essa foi uma decisão tirada pelo Conselho Administrativo do Fundo
Estadual de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Rurais ? Feaper,
por pressão especialmente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio
Grande do Sul ? Fetag e da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do
Sul ? Farsul, que apresentam a adoção de sementes transgênicas como demanda
contida no Grito da Terra Brasil, 2013. Ocorre que esse
documento é feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura ?
Contag, o que não necessariamente é uma representação de todo o conjunto de
pequenos agricultores, que são o alvo prioritário do Programa Troca-Troca
de sementes do governo do Estado. Entretanto, pela votação dos representantes
das agências estaduais que estão no conselho do Feaper, fica visível que foi uma
determinação política, o que nos deixou bastante preocupados. De um discurso
pelo desenvolvimento sustentável, vemos agora uma posição bastante
conservadora, buscando agradar multinacionais de sementes e interesses
comerciais, quando poderiam demonstrar não apenas a busca de autonomia para os
agricultores, mas especialmente também estarem considerando os argumentos
apresentados ao governo do Rio Grande do Sul, que apontam evidentes problemas
ambientais e sociais assim como problemas agronômicos, associados ao uso de
variedades transgênicas de milho.
IHU On-Line ? Um dos argumentos da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul ? Fetag, ao apoiar o
troca-troca de sementes transgênicas, é de que o estado poderá ser
autossuficiente em produção de grãos. Qual é a participação gaúcha na produção
nacional de grãos e como o senhor vê esse argumento?
Fábio Dal Soglio ? A produção de milho no Rio Grande do Sul é variável,
dependendo do clima e dos preços de mercado, mas em média se situa na faixa
entre 5 e 5,5 milhões de toneladas. O consumo do estado também varia, mas está
em torno desse valor, podendo chegar a um pouco mais de 6 milhões de toneladas
nos anos em que a demanda para alimentação animal, em especial suínos e aves,
se encontra em alta. Entretanto, não existe uma ligação direta do uso de
variedades transgênicas no troca-troca no sentido de aumento da produtividade
de milho por pequenos agricultores. Isso porque muitos desses agricultores não
possuem as condições necessárias, nem sempre boas para o ambiente e
economicamente viáveis para eles, a fim de alcançar as máximas produtividades
que alguns híbridos prometem.
O
fato de que muitas variedades de polinização aberta possuem bons potenciais de
produtividade, e que são muitas vezes mais adaptadas para áreas menos
produtivas e sistemas de produção de baixo uso de insumos, não foi considerado
pelo estado e nem pela Fetag ou Farsul. Os agricultores pequenos deveriam ser
alvos de uma política que buscasse reduzir a dependência de insumos e ampliar
as perspectivas de melhor gerenciamento dos seus sistemas de produção,
procurando maior autonomia e menores custos. Mas a decisão vai exatamente na
contramão, incentivando uma maior dependência e incapacidade, não fazendo com
que as comunidades de agricultores possam ser donas de suas sementes e
gerenciar o ambiente de forma sustentável.
Se
o estado de fato pretende ser autossuficiente na produção de milho, a
estratégia deveria ampliar a autonomia dos pequenos agricultores e investir em
tecnologias produtivas e sustentáveis, que são o foco da agroecologia. Se todos
os agricultores conseguissem variedades adaptadas aos diferentes meios e
condições de clima, se apresentassem boa resistência aos problemas da lavoura
e, além disso, se tivessem bons rendimentos, teríamos muito mais milho do que
precisamos, e poderíamos até passar a exportar. Mas não passa pela cabeça de
algumas lideranças essa possibilidade, pois não conseguem ver além dos
argumentos das multinacionais do milho transgênicos, que já foram em boa medida
derrubados pelas evidências que encontramos no campo.
IHU On-Line ? Quais as consequências e os impactos
imediatos desse processo?
Fábio Dal Soglio ? Afora ampliarmos a erosão genética no milho, ou seja,
a perda de diversidade genética nas populações de milho, o que implica em maior
dependência e risco, aumenta a possibilidade de seleção de pragas resistentes
ao Bacillus
thuringiensis, que é de onde foi retirado o gene que
promoveria resistência das plantas de milho ao ataque de lagartas, assim como a
seleção de plantas espontâneas pelo uso de determinados herbicidas. Os
agricultores devem aumentar ainda mais o uso de agrotóxicos, e muitos terão
custos ainda maiores, e que não podem cobrir com as baixas receitas que, muitas
vezes, tiram da agricultura. Além disso, os agricultores que estavam se
empenhando em produzir sementes de variedades não transgênicas serão novamente
prejudicados em benefício das empresas multinacionais de sementes, e vão
procurar outras atividades, reduzindo ainda mais a disponibilidade de sementes
tradicionais, locais e crioulas, assim como reduzindo a oportunidade de seleção
de variedades adaptadas aos nossos diferentes ambientes, pois não há apoio do
governo.
Também
temos que considerar os problemas de saúde pública e os problemas ambientais
associados à produção e consumo de milho transgênico, assim como a certeza de
contaminação das variedades tradicionais, pois os agricultores não tomarão de
fato os cuidados necessários para que isso não ocorra e nem o governo será
capaz de fiscalizar isso. A contaminação das variedades locais trarão problemas
não apenas legais aos agricultores, mas poderão afetar todo o sistema, com
reflexos sobre o futuro do milho como um todo, efeitos ambientais não conhecidos,
e problemas relativos à segurança e à soberania alimentar.
IHU On-Line ? Como os agricultores se posicionam diante
dessa medida?
Fábio Dal Soglio ? Toda vez que os agricultores familiares perdem o controle sobre
algum insumo, aumentam os custos e seus rendimentos são reduzidos. A
agricultura familiar está perdendo sua condição de reprodução social em parte
por essas perdas de autonomia, o que tem se refletido sobre o êxodo dos jovens
e a pobreza no campo. Por outro lado, vemos em modelos de retomada da busca
pela autonomia que existem saídas que não passam pela adoção de tecnologias que
se dizem mais produtivas, como a dos transgênicos. Muitas experiências baseadas
em adoção de tecnologias agroecológicas, que busca a autonomia e a
sustentabilidade da agricultura, mostram que é possível até manter alto nível
de produtividade, aliada a aumentos de renda, onde se assiste a um retorno dos
jovens. Mas são modelos de baixa dependência de insumos e que não geram lucros
para empresas, o que não interessa a muitos grupos, incluindo os que se dizem
representantes dos agricultores.
Existem
muitos movimentos de agricultores que apontam essa direção como a única
possível, mas que precisaria de políticas públicas fortes e coordenadas, o que
não está acontecendo. Um exemplo é essa liberação de sementes transgênicas no
troca-troca, pois o mesmo estado que diz estar lutando por um desenvolvimento
sustentável acaba por apoiar exatamente a tecnologia que está associada à
insustentabilidade do desenvolvimento rural. Se o modelo da agricultura chamada
moderna fosse de fato sustentável e positivo, não teríamos a crise que temos em
todos os seus setores, do ponto de vista social, ambiental e mesmo econômico. A
pobreza rural ainda está lá, e muito forte, enquanto destruímos o nosso
ambiente, e os jovens abandonam os espaços rurais em busca de uma vida melhor.
IHU On-Line ? Diante do Programa Troca-Troca de Sementes,
como fica a distribuição e troca de sementes crioulas?
Fábio Dal Soglio ? Não está claro como será a relação do troca-troca em
2013 com o milho crioulo, pois havia em 2012 uma linha especial
para essa aquisição. Neste momento não temos essa informação sobre a
continuidade ou não dessa opção por parte dos agricultores. Mas acredito que
deveriam ser feitos esforços nesse sentido, garantindo que os pequenos
agricultores possam optar por diferentes variedades.
IHU On-Line ? Como os ambientalistas se posicionam diante
deste Programa? As entidades ambientalistas entrarão na Justiça contra a
decisão aprovada no dia 23 de abril?
Fábio Dal Soglio ? Não só ambientalistas, mas também militantes de
movimentos sociais, pesquisadores e técnicos que trabalham com agroecologia
foram surpreendidos pela decisão, que, a nosso ver, foi política e não
considerou de fato as questões apontadas sobre os problemas e, em especial,
sobre as perspectivas ligadas ao desenvolvimento sustentável do estado. As
possibilidades de ação na Justiça estão sendo estudadas com apoio de diferentes
grupos estaduais e nacionais. Havendo possibilidade jurídica de se enfrentar
essa decisão, isso deverá acontecer.
No
entanto, é lamentável que o governador Tarso
Genro, assim como os representantes de entidades que estão no Conselho do Feaper,
não tenha, antes de tomar uma decisão, buscado ouvir essas entidades e seus
argumentos. O Rio Grande do Sul, que apresenta tantas experiências exitosas em
produção de base ecológica e sustentável, perdeu mais uma vez a oportunidade de
ser melhor, e continua a andar na direção da insustentabilidade, o que será
ruim para todos, mas especialmente ruim para nossas futuras gerações, pois o
estado não lhes está garantindo as condições necessárias. Estamos abrindo mão
da autonomia e da sustentabilidade em benefício de uns poucos, e que geralmente
nem estão no estado.
A
agricultura precisa de novas lideranças capazes de
entender que não vamos melhorar se continuarmos a tratar nossos agricultores e
nosso ambiente com uma visão deturpada de agricultura, a qual nos é apresentada
por estes grupos econômicos e que, hoje, são hegemônicos, controlando nossas
sementes.
Fonte: www.ihu.unissinos.br